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Gatilho

26 dezembro 2017

GatilhoEditora: Independente – Edição especial

Autores: Carlos Estefan (roteiro) e Pedro Mauro (desenhos).

Preço: R$ 35,00

Número de páginas: 64

Data de lançamento: Dezembro de 2017

Sinopse

Um caçador de recompensas chega a uma cidade abandonada em busca de justiça. Mas, para conseguir o que quer, precisará enfrentar muito mais do que o homem que procura… Terá que exorcizar fantasmas do passado.

Positivo/Negativo

O faroeste deve muito a duas vertentes de divulgação do gênero, que são o cinema e os quadrinhos. Dentro desses segmentos, pode-se destacar nomes como os de dois italianos que atendiam por Sergio – Leone (1929-1989) e Bonelli (1932-2011), respectivamente.

Esse bangue-bangue à italiana no cinema, materializando o cenário norte-americano, foi renovado a partir dos anos 1960, com mais sujeira, planos abertos e supercloses que congelam o tempo. Vez por outra, a câmera de Leone subvertia os ângulos clássicos exaltados por Hollywood por meio de realizadores como John Ford (1894-1973).

Se a cara do faroeste estadunidense era o durão John Wayne (1907-1979), o rosto suado com a barba malfeita e o final de charuto no canto da boca do western spaghetti era personificado na figura de Clint Eastwood.

Clint Eastwood

Enquanto isso, no papel, a Bonelli Editore galopava desde o final dos anos 1940 com seu personagem mais famoso e longevo do gênero, Tex Willer, seguido por outros como Zagor, Ken Parker e, mais recentemente, Mágico Vento.

Assim como o terror e o cangaço nos anos 1970/80, o faroeste também foi tema em quadrinhos populares produzidos no Brasil. Para se ter um panorama mais amplo, basta visitar a detalhada matéria Os implacáveis quadrinhos de faroeste, produzida por Marcus Ramone, aqui mesmo no Universo HQ.

Nessa época, o paulista Pedro Mauro já fazia seus primeiros disparos na Editora Taika. Recentemente, assinou alguns trabalhos para a Bonelli, sempre com a cobertura do roteirista Gianfranco Manfredi (criador de Mágico Vento), com que está preparando novamente a sela para outro projeto conjunto.

Dono de um traço que não deve nem um níquel aos principais artistas italianos, o veterano se uniu ao jovem paulistano Carlos Estefan para novamente tirar o chapéu, desta vez bebendo diretamente no cantil do western spaghetti.

Em Gatilho, praguejar vai além dos singelos "Com mil demônios" ou outras similitudes dos quadrinhos italianos. Com uma página de abertura que faz reverberar as trilhas compostas por Ennio Morricone, desbravando diagramações horizontais que sugerem o formato widescreen das telas de cinema, a trama é costurada com ponto invisível e com precisas frases de efeito.

Gatilho

O ás na manga é não entregar logo o jogo, fazendo mistério e sinalizando pistas que vão intercalar com flashbacks.

Uma das boas transições, usando uma mosca (que está presente em praticamente todas as cenas, sendo usada como simbologia) e o detalhe de um garoto com a gaita observando a chegada de um forasteiro, faz o leitor mais antenado recordar do épico de Leone, Era uma vez no oeste (1968), com Charles Bronson (1921-2003), Claudia Cardinale e Henry Fonda (1905-1982), num dos raros papéis de vilão na sua carreira.

Aliás, a dicotomia "mocinho" e "bandido" não era tão distinta no western spaghetti e igualmente não se faz homogênea aqui. A dualidade é vital para manter a atenção nos detalhes, como a tentativa de um teste de DNA através da mira.

Assim como as palavras de baixo calão, o álbum vai um pouco além nas cenas violentas, principalmente no que diz respeito ao estupro, geralmente mais no campo das suposições do que na ação em si, em outras HQs do gênero.

A tensão e o suspense são levados para uma reviravolta eficiente, mesmo que não seja totalmente uma surpresa para o leitor mais atento. Funciona, inclusive, para dar mais significados ao título. Mais interessante que a guinada que o roteiro oferece é a estrutura coesa na qual ela é montada.

Um espetáculo à parte é a arte afiada de Pedro Mauro, que segue as composições clássicas, mas vez por outra "quebra" a regra com ângulos mais ousados e um impressionante jogo de luz e sombra.

Gatilho

Após o confronto central, o próximo flashback presta uma homenagem à famosa "Trilogia dos dólares" de Sergio Leone, com Eastwood no papel principal (Por um punhado de dólares, Por uns dólares a mais e Três homens em conflito). Basta lembrar do famoso poncho e da alcunha dada ao protagonista – que também é usada como o outro nome da trilogia.

Edição independente, Gatilho tem formato 22 x 28,7 cm, capa cartonada sem orelhas e papel off-set de boa gramatura e impressão. Nos extras, esboços, estudos, cenas não utilizadas e textos de bastidores dos autores.

O destaque vai para a bela composição da capa, cuja técnica lembra mais outro italiano do quilate de sine qua non, que – veja só! – também atendia por Sergio no batismo, o Toppi (1932-2012), certamente uma das referências de Mauro.

Assim como Eastwood resgatou o gênero nos cinemas – sem perder o norte da "decadência" – com o excelente Os imperdoáveis (1992), Gatilho traz uma velha nova lufada com a poeira voando e o tumbleweed (aquelas plantas secas rolantes) rapidamente passando para entrar no clima. Do mesmo jeito que os italianos, sem nada a dever. Uma grata surpresa, pard.

Classificação:

4,0

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