Em volumes anteriores, como O clamor das trevas e Caçada selvagem, Mike Mignola apresentou uma série de eventos que se integravam em uma única e longa história ainda inacabada e que promete culminar com uma transformação radical de Hellboy.

Entretanto, além dessa saga principal, existem também as histórias fechadas, que mostram diversos episódios da carreira do protagonista como investigador paranormal ao longo da segunda metade do Século 20.

São algumas dessas aventuras, publicadas separadamente em edições especiais entre 2009 e 2011, que compõem a coletânea A noiva do demônio.

Mike Mignola tem como grande inspiração os contos de terror de H. P. Lovecraft, o clima sombrio da obra de Edgar Alan Poe e as fantasias de horror e aventura publicadas nos livros pulp.

Aliás, é justamente o espírito das revistas pulp, como a clássica Weird Tales, que parece orientar todos os episódios apresentados em A noiva do demônio.

Os casos antigos de Hellboy seguem uma fórmula narrativa bem simples: há um evento estranho, envolvendo alguma criatura ameaçadora e o detetive vermelho aparece para solucionar o caso, geralmente na base da pancada.

Talvez seja justamente nessa simplicidade que resida o grande charme das histórias de Hellboy. São tramas despretensiosas, que conseguem resgatar muito do que deveria ser o fascínio que um leitor sentia ao ler a antiga Weird Tales.

Em A noiva do demônio, Mignola não se restringe apenas às referências a diversas obras de terror e aventura. Há um flerte divertido e delicioso com novos elementos que tornam a velha fórmula ainda mais atraente.

A parceria entre Hellboy e luchadores, na divertidíssima Hellboy no México, é totalmente inusitada. Trata-se de uma trama totalmente despretensiosa, que apresenta os elementos típicos de aventura e terror, mas que ressalta outro elemento: um humor sutil e cativante.

O veterano Richard Corben ilustra Hellboy no México e Sessão dupla de horror. Nessa última, uma reunião de duas histórias curtas, a arte de Corben parece imprescindível para criar o clima lovecraftiano de O prêmio de Sullivan.

Também é de Corben a arte do episódio que nomeia o volume, A noiva do demônio: uma trama na qual nem tudo é o que parece e que apresenta ainda a origem da Ordem de São Hagan, os cavaleiros cruzados criados por Mike Mignola.

Na belíssima arte de Scott Hampton e com as sombrias cores de Dave Stewart, O longo sono dos mortos-vivos é uma das mais típicas histórias de Hellboy. Com um clima fantasmagórico, personagens melancólicos e trágicos e muita pancadaria.

Buster Oakley realiza seu desejo talvez seja a trama mais "weird tales" do volume. Desta vez, o investigador paranormal não se confronta com demônios ou vampiros, mas com um misterioso caso de vacas desaparecidas. Com arte de Kevin Nowlan, o enredo é uma mescla desconcertante de veia cômica e bizarrice.

Talvez o conto mais sem graça do volume seja O legado da família Whittier. Não se trata de ser uma HQ ruim, mas, comparada com as outras, parece mais apagada. Seu maior mérito é ter suas oito páginas desenhadas pelo próprio Mike Mignola.

Cada um dos episódios possui um texto de apresentação escrito por Mignola, com explicações e contextualizações. Aliás, o texto que precede O legado da família Whittier explica bem o porquê de ser o conto mais fraco do volume.

A edição é enriquecida ainda mais por uma seção de rascunhos e estudos com comentários dos artistas, com uma série de informações interessantes. Por exemplo, Richard Corben constrói modelos em softwares de 3D para fazer os estudos de iluminação de seus cenários.

No fim das contas, a qualidade das artes, das histórias e da publicação faz de A noiva do demônio uma edição espetacular, que vai despertar o leitor pulp adormecido dentro de cada um e abrir as portas para mundos assustadores, fascinantes e, surpreendentemente, engraçados.