O selo Vertigo costuma explorar temas adultos com profundidade, diferentemente do que se vê mensalmente nas bancas nas revistas de super-heróis da DC Comics, a editora que o abriga.

It's a bird... não é a história de um desses personagens, mas sim uma análise sobre um deles. Steven T. Seagle dá a sua visão sobre o Superman, retratando a si mesmo como protagonista. O resultado é uma narrativa brilhante.

Após a formação universitária em cinema, Seagle troca sua profissão pelas letras e torna-se escritor do selo adulto da DC, roteirizando séries como Casa dos Mistérios. Então, a editora lhe oferece a chance de escrever as novas aventuras do Homem de Aço.

O autor primeiramente reluta em aceitar, pois acha o personagem medíocre do ponto de vista de sua mitologia. Não consegue compreender diversos pontos, como sua invulnerabilidade à kryptonita, sua origem rural ou seu alter ego.

Em um determinado ponto, ele crê que o herói seja um fascista, já que poderia utilizar sua força como bem entendesse e despertar o medo nas pessoas. E é aí que o narrador-personagem entra em parafuso. Há muita coisas que ele não consegue assimilar e, com o prazo de resposta cada vez mais próximo, desmorona psicologicamente.

A narrativa intercala acontecimentos do próprio roteirista com conceitos do super-herói, relacionando fatores como as cores do uniforme e o senso de justiça e coragem à sua fortaleza da solidão e filosofias derivadas do escritor alemão Friedrich Nietzsche.

Como em qualquer grande obra, é possível observar uma multiplicidade de temas e personagens envolvidos na trama, que, combinados às passagens narrativas em que o autor se comunica especificamente com o leitor, tornam a leitura sofisticada e cuidadosa.

O desenho também deve ser encarado dessa forma. As aquarelas de Teddy Kristiansen brilham ao retratar os diversos quadros desta história como se fossem verdadeiras obras de arte.

Da iluminação no rosto dos personagens, a flashbacks da infância do escritor, Kristiansen pensa muito bem a utilização da paleta de cores, quadro a quadro. Sua intensidade varia de acordo com a situação. Dos tons leves e pastéis, nas cenas corriqueiras, aos avermelhados e fortes, nas mais críticas.

A relutância do roteirista em lidar com o alienígena Kal-El é uma viagem de autoconhecimento que Seagle só descobre no final, relacionando o distúrbio neurológico de Huntington que assombra sua família com sua própria personalidade.

O título It's a bird... foi inspirado no bordão clássico do personagem "É um pássaro? É um avião?...", e é por intermédio dele que o narrador percebe a importância do Superman.

Esta é, com certeza, uma das interpretações mais maduras sobre o super-herói já produzidas. Seagle revela uma visão romantizada dos conceitos do personagem, com um estilo elegante e único - sem soar chato e teórico. Recomendado até para aqueles que nunca leram nada do Homem de Aço.