KAOS # 1
Título: KAOS! # 1 (Editora
Manticora) - Revista quadrimestral
Autores: Sam Hart, Jean Canesqui, Sandro Castelli, Anderson Cabral e convidados (roteiro e arte).
Preço: R$ 7,50
Número de páginas: 80
Data de lançamento: Novembro de 2004
Sinopse: Além de entrevistas com Alan Moore e Marcelo Cassaro, a revista oferece cinco histórias curtas:
A de Aluguel (de Sam Hart) - Um investigador particular se arrisca entre assassinatos suspeitos à procura de uma pedra misteriosa.
Meninos Perdidos (de André Valente, Luiz Pereira e Caio Majado) - Num futuro apocalíptico em que a maior parte dos adultos está morta, crianças sem pais lutam para sobreviver.
Belasco - O Show da Vida (de Jean Canesqui, Sandro Castelli e Akio Fugikawa) - Um médico é chamado a um circo de aberrações para tomar parte de um número bizarro.
Guti Gutz (de Roger Cruz) - Duas agentes em trajes mínimos infiltram-se numa festa infantil para capturar um palhaço criminoso.
O Homem que Tudo Vê (de Jean Canesqui e Anderson Cabral) - Um sujeito tem uma câmera acoplada aos seus olhos, transmitindo tudo que vê a certo canal de televisão.
Positivo/Negativo: Há quem diga que é preciso valorizar os produtos nacionais, a despeito de quaisquer critérios de qualidade. Nas artes, isso é bem comum. Em certas regiões do País (como a Aracaju, deste escriba), há artistas que sobrevivem à custa do pouco confiável bairrismo de seu público (o que para alguns - os inúteis - equivale a pedir esmolas).
Se transpusermos essa perspectiva para os quadrinhos, a idéia seria a de que é preciso comprar os nacionais, mesmo quando ruins. Tem sido tão difícil publicá-los (ainda mais os "independentes"), que qualquer iniciativa minimamente interessante deve ser incentivada a todo custo.
Convenhamos, trata-se de um ato mais político (em sentido amplo) que estético. Não há nada mais degradante do que ficarem os críticos a passar a mão na cabeça de marmanjos.
Ora, o caminho das pedras para os quadrinhos nacionais (bem como para o cinema e similares) é o abandono dessa equivocada tática de apelo ao nacionalismo, substituindo-a pelo abraço visceral da boa e velha busca incessante pela perfeição artística.
Devem os interessados em determinada arte (qualquer que seja) estudá-la com afinco, dedicar-se arduamente a ela e, tendo já trabalhado exaustivamente todo o campo técnico, esmerar suas peculiaridades autorais até chegar a um estilo particular, algo único e sublime que trabalhe para o fortalecimento da arte que escolheu. O país que nos deu Agostini, Shimamoto, Henfil, Laerte, Flavio Colin, Marcatti, Mutarelli etc., não merece menos que isso.
Claro que nem sempre o público responde bem à genialidade dos autores, mas isso é já outra discussão.
Sem crítica sincera não há evolução. Sem ter quem separe o joio do trigo (às vezes de modo equivocado, claro - somos humanos), periga cometer-se a extrema injustiça de abandonar os critérios de julgamento e assumir que todos os autores são iguais.
Sem parâmetros que nos permitam valorizar quem merece, caímos na armadilha burocrática de certos regimes marxistas em que a igualdade das recompensas a despeito do mérito quase inviabilizou o aprimoramento dos "camaradas", mergulhando-os num estado de apatia crônica em que raramente se destacava alguém. Todos pareciam gratos por serem cevados regularmente, como parte do rebanho.
Bem, assim é o primeiro número da revista Kaos!. Ralo, anêmico, cinza. Parte do rebanho. Uma iniciativa nada ousada que torna irônico o "aconselhável para maiores de 18 anos" estampado na capa. Para uma publicação que se dá tal nome, decepcionante.
Numa primeira olhada, chama a atenção o (extremo) mau uso da estética do preto-e-branco. A maioria das histórias (por sinal pouco interessantes) apela para ridículos tons de cinza em vez de aproveitar o potencial dramático do jogo de luz e sombra e da ausência de cores. Ao menos em A de Aluguel pode-se observar uma saudável ironia (a pedra que o protagonista tanto procura possui "a cor de seus sonhos").
Nem Belasco, que é minimamente bem pensada e desenhada, escapa do aspecto "café com leite"; poderia ter sido mais bem executada se os autores ousassem na abordagem e na apresentação visual.
As histórias de Kaos! misturam diversos clichês; melhor dizendo, desperdiçam-nos. A apocalíptica é a que mais falha nesse aspecto. Os desenhistas variam de "até eu faço melhor que essa m..." a "promissor, mas...", com o interlúdio de um Roger Cruz cartunesco (mantendo, claro, os velhos exageros anatômicos femininos que fazem o deleite dos púberes varonis solitários).
O Homem que Tudo Vê também comete seus pecados. A começar pelo desperdício de um argumento que, de tão deliciosamente tolo, podia dar origem a uma interessante aventura que misturasse humor negro a divertido cinismo, caso tivesse caído nas mãos de alguém menos preocupado em emprestar um clima verossímil à trama estapafúrdia.
A única coisa que de fato vale o gasto de quase oito reais é a entrevista com Alan Moore. Longa, bastante curiosa, porém visivelmente defasada (há passagens que denotam que ela foi feita há tempos). A de Marcelo Cassaro também é interessante, embora curta e pouco conclusiva.
Espera-se que os editores mantenham esse espaço nos próximos números. Caso contrário, corre-se o risco de boa parte do público debandar.
Se não houver uma revolução real na concepção da revista, se ela não abraçar as idéias nada originais (porém interessantes) de seu editorial, Kaos! não passará de mais uma publicação que merece ficar perdida entre as dezenas de títulos medíocres que infectam as raras pérolas de nossas pobres bancas.
O ruído que apregoa com orgulho não passa deveras de má sintonia.
Classificação: