Dentre os muitos títulos que foram recebidos com louvor pela imprensa internacional no ano passado, Logicomix chegou ao público brasileiro.

A obra romantiza a vida do filósofo Bertrand Russell, que após entrar em contato com os princípios da matemática, dedicou boa parte de sua vida a estabelecer todos os seus fundamentos lógicos.

Com um tema não muito habitual da nona arte, Logicomix já chama atenção pelo fato ser a obra mais bem-sucedida em termos comerciais de 2009, segundo o jornal The New York Times.

Isso prova o quanto o público-alvo da arte sequencial vendida em livrarias - que enxerga essas obras como literatura - está maduro para procurar temas sérios e adultos em quadrinhos. Pelo menos nos Estados Unidos.

E não é à toa que Logicomix tenha sido tão bem comentada. A história é um esplendor. Um dos exemplos mais bem acabados de como determinadas narrativas devem ser utilizadas somente em quadrinhos.

Usando metalinguagens do início ao fim, os roteiristas Apostolos Doxiadis e Christos Papadimitriou discutem em entreatos como devem proceder com determinantes fatos da vida de Russell. E, assim como o biografado, os autores também aparecem no álbum como personagens.

Bertrand Arthur William Russell, conhecido como o Terceiro Conde Russel, devido à sua ascendência nobre, era neto de um importante Lorde, que foi criado por avós paternos após ficar órfão aos quatro anos.

Com um histórico de doentes mentais na família, Russell justapõe essa condição, assim como sua posição social, regada a mordomias, para se dedicar a percorrer caminhos muito mais transcendentais do que seu título de nobreza. E assim começa uma obstinada procura para provar, por intermédio da Lógica, a certeza de fundamentos aritméticos - como, por exemplo, 1 + 1 = 2.

Para isso, recebe o auxílio de intelectuais contemporâneos, como Gottlob Frege, David Hilbert, e Ludwig Wittgenstein, este último, retratado de forma caricata devido à sua excentricidade e envergadura filosófica um tanto explosiva.

Por mais interessante que seja retratar a vida de Russell como um conflito eterno sobre ideias e paixões infrutíferas, a leitura é vagarosa, por causa da quantidade de informações inerentes ao universo acadêmico da matemática.

Mesmo tratando-se de uma biografia, este termo seria mais adequado se utilizado entre aspas, pois os próprios autores explicam, ao final do livro, que muitas das passagens não condizem com a realidade, muitas vezes por não se ter provas de que realmente aconteceram.

Assim, Doxiadis e Papadimitriou adotaram situações muitas vezes consideradas fantasiosas para que Logicomix, como graphic novel, desse certo.

Enquanto os roteiristas se dão muito bem, outra dupla, Alecos Papadatos e Annie Di Donna, responde por todas as imagens da obra.

O traço de Papadatos, a princípio, remete ao estilo mais convencional, comumente observado em adaptações literárias. Seu desenho, agradável, casa perfeitamente com as cores de Di Donna, e não busca ser maior que a retórica textual.

Há (poucos) exemplos em que Papadatos mostra seu verdadeiro potencial, como na página 140, com uma incrível representação do pesadelo de Russell, e na 234, na qual sobrepõe passagens sobre vida e morte, com alto teor emocional.

Mas uma das melhores passagens está na última página, na qual, após toda a explicação sobre a tragédia grega Oresteia, seguida de sua representação teatral, vê-se a coruja observando o cão. A imagem do cachorro passa a ideia do leitor comum desta obra, que, após finalizar a leitura, deverá agarrar a "ave da sabedoria", para alçar voos mais altos.

Após produzir um dos primeiros romances relacionando ficção e matemática, o best-seller Tio Petros e a conjectura de Goldbach, o grego Apostolos Doxiadis alcança aqui seu ponto alto, pois as páginas exaltam sua paixão pela ciência dos números.

O trabalho editorial em Logicomix foi competente, mas vale ressaltar que a versão nacional custa mais que o dobro da importada. Além disso, fique atento no momento da compra: alguns exemplares estão com páginas "picotadas" ou "coladas" umas às outras.