A Marcha – John Lewis e Martin Luther King em uma história de luta pela liberdade - Livro 1
Editora: Nemo – Série em três volumes
Autores: John Lewis e Andrew Aydin (roteiro) e Nate Powell (arte) – Originalmente em March: Book 1 (tradução de Érico Assis).
Preço: R$ 44,90
Número de páginas: 128
Data de lançamento: Abril de 2018
Sinopse
John Lewis é uma das principais figuras do movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos. Seu comprometimento com a justiça e a não violência o levaram de uma pequena fazenda no Alabama para os corredores do Congresso norte-americano. Uma longa batalha travada ao lado do pastor e ativista Martin Luther King Jr. (1929-1968) pelo fim das políticas de segregação no país.
Positivo/Negativo
Há 60 anos, uma história em quadrinhos de 10 cents inspirava jovens leitores nos Estados Unidos. Imediatamente aparecem na cabeça os atos heroicos dos multicoloridos e poderosos seres encapuzados, mas esse comic era bem peculiar: Martin Luther King and The Montgomery Story era uma ferramenta para divulgar a não violência e o processo de abolir (ou amenizar) a segregação entre negros e brancos.
Independentemente de trazer “a” verdade, A Marcha é uma versão e a perspectiva de quem foi testemunha daquela época na qual a pessoa, por conta simplesmente da cor de sua pele, não podia se sentar no banco da lanchonete, era proibida de usar banheiros específicos ou nem mesmo tinha o direito de sentar onde desejasse em um ônibus, quanto mais votar.
Com o bonito desenho de Powell em tons de cinza e com uma arte-final bem marcada, este primeiro volume abre com uma das marchas de Selma a Montgomery, capital do Alabama, que pediam o fim das práticas eleitorais discriminatórias.
Com Lewis como um dos líderes da caminhada pacífica ocorrida em 7 de março de 1965, a narrativa avança para o ano de 2009, no gabinete do agora congressista, que está se preparando para a posse de Barack Obama, o primeiro presidente negro do país.
Esses focos de um passado recente são os mais “engessados”, já que são usados pelos autores para ligar os fatos quase de forma didática, como uma cartilha.
O ritmo melhora quando o roteiro escrito a quatro mãos pelo próprio Lewis e pelo assessor político Andrew Aydin desbrava a infância do protagonista, desde as suas pregações como pastor de galinhas na Zona Rural do Alabama, até a sua viagem perigosa e esclarecedora ao lado do tio ao estado de Ohio, onde “tinha brancos morando na casa ao lado”.
Para o leitor brasileiro, que não deixa de ter contato com o preconceito e o racismo, é interessante observar como não era velada a segregação aos olhos do governo e como essas pessoas se comprometeram para lutar pelos seus direitos igualitários após um passado escravagista.
Pode-se ter uma noção de como tal luta foi baseada na organização política e no pensamento estratégico de conscientização, com curiosas oficinas de não violência, nas quais se fazia todo tipo de pressão psicológica e física para testar os limites dos seus membros, além de ensinarem a se defender e agir no ambiente hostil. Nessas preparações, o pior teste de fogo é uma prática quase impossível desde o surgimento do cristianismo: ter amor pelo seu agressor.
O álbum mostra também as desavenças geracionais do mesmo lado com a insatisfação e a crítica de comitês e entidades acerca da estrutura de liderança negra tradicional da época, mais modorrenta e resignada.
Mesmo abandonando a narrativa mais introspectiva e lenta do período da infância, dando uma acelerada nos próximos anos com o jovem que escreve para Martin Luther King Jr. e quer ingressar em uma faculdade integrada, o volume é esclarecedor para quem nunca ouviu falar do movimento dos sit-ins, protesto no qual se chama a atenção sem quebrar ou desrespeitar o local escolhido para a manifestação de desobediência civil.
Nota-se que o roteiro se esforça em se ater aos fatos sem sensacionalismos baratos ou até exagerada autopromoção do biografado. O holofote aqui é jogado para a causa, mesmo não se convencendo em 100% das justificativas de certas passagens, a exemplo do menino que abandona o trabalho braçal da lavoura porque exclusivamente quer estudar.
Cada vez mais o tom confessional e emocional inerente ao personagem principal é deixado de lado para notabilizar e filtrar melhor os objetivos de transformar não apenas as leis, como também toda uma nação que foi construída com base na segregação racial.
A Marcha foi a primeira HQ a ganhar o National Book Awards, apesar de não ter sido a primeira a ser indicada ao prêmio. Dentre outras finalistas estão O Chinês Americano (Quadrinhos na Cia.), de Gene Luen Yang, Cicatrizes (Leya/Barba Negra), de David Small, e Nimona (Intrínseca), de Noelle Stevenson – só para citar as que saíram por aqui.
A edição em brochura da Nemo tem formato 17 x 24 cm, capa cartonada com orelhas, papel off-set de boa gramatura e impressão.
Uma curiosidade: o título original – March – pode ser traduzido como “marcha” e também como “março”, que foi o mês das passeatas de Selma, cuja mais famosa resultou no “Domingo Sangrento”. Assunto para os próximos volumes da obra.
Classificação:
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