A capa de um livro (seja ou não de HQ) sempre pode atrair ou afugentar possíveis leitores. A deste álbum mostra os personagens principais da história desenhados num traço simples, influenciado pelo mangá e com colorização que remete a desenhos animados recentes. Assim, pode-se deduzir que se trata de um produto destinado a jovens e adolescentes. Pois Scott Pilgrim - Contra o mundo pode até passar essa impressão, mas é muito mais que isso.

O protagonista, Scott Pilgrim, é um jovem de 23 anos que não se preocupa em trabalhar e tampouco com seu futuro. Imediatista, vive namoros conturbados e preenche seu tempo livre jogando videogames de RPG e ensaiando com sua banda.

Como seus pais tiraram uma boa temporada de férias na Europa, Scott divide uma casa (e um colchão) com seu amigo Wallace, que é gay. Ou seja, a vida do cara pode se resumir ao perfeito clichê de "perdedor".

Enquanto não supera o fim de seu último relacionamento, ele engata um namorico com Knives Chau, uma chinesa do colegial, muito mais nova, que nunca sequer foi beijada. Mas é ao cruzar com Ramona Flowers que Scott descobre quem é a garota de seus sonhos - literalmente.

Os diálogos são o ponto alto de Scott Pilgrim, proporcionando alguns momentos memoráveis, como o primeiro encontro entre Ramona e Scott, quando a garota pergunta sobre um certo "X" na jaqueta dele:

- Bom, pelo jeito, é óbvio que alguém aqui era da escola do Professor Xavier para jovens superdotados e alguém não era.

- Pelo jeito, é óbvio que alguém aqui é totalmente nerd. Você mesmo remendou?

- Não vou me manifestar quanto a isso.

A história ainda reserva uma surpresa aos leitores acostumados com HQs. Para namorar Ramona, Scott deve enfrentar seus Sete Maléficos Ex-Namorados. O que, de fato, acontece - uma homenagem no melhor estilo de mangás como Tenjou Tenge, Kenpai e Ikkitosen, nos quais estudantes batalham entre si em duradouros combates regados a artes marciais.

O autor Bryan Lee O'Malley domina bem a cadencia da história e ainda brinca com a metalinguagem, ao fazer alusões, nos diálogos entre os personagens, ao que será contado nos próximos volumes.

As referências, que vão de filmes cult, como Trainspotting à série de RPG Final Fantasy, em conjunto com a trama, fazem um perfeito retrato da "Geração Y" e daqueles a quem ela pertence - que atire a primeira pedra o jovem que não conhece alguém (ou se reconhece) como Scott.

Um grande amigo seu ser homossexual assumido, dicas para fazer um almoço vegetariano e a falta de preocupação do protagonista por estar desempregado são apenas alguns fatores que situam o tempo e o espaço desta obra. O desenrolar de várias subtramas com personagens ora carismáticos, ora não, tem tudo para fisgar até aquele leitor mais desavisado.

As páginas estão permeadas de um humor diluído nos diálogos sem ser forçado, o que denota esforço da tradução e adaptação do texto nesta edição da Quadrinhos na Cia. A diferença é que, no Brasil, Scott Pilgrim reunirá dois volumes originais por álbum (serão três no total).

Esta é uma história irreverente, cuja marca está na sutileza e originalidade com que O'Malley trata temas cotidianos. Um trabalho que traz compila vários temas: ação, videogames, quadrinhos e comédia. Uma obra-prima sobre como amadurecer em tempos modernos.