Moonshadow – Edição definitiva
Editora: Pipoca & Nanquim – Edição especial
Autores: J.M. DeMatteis (roteiro) e Jon J. Muth (arte), com colaboração de Kent Williams (nos capítulos # 6 e # 12) e George Pratt (# 11 e # 12) – Originalmente em Moonshadow # 1 a # 12 e Farewell, Moonshadow (tradução de Érico Assis).
Preço: R$ 139,90
Número de páginas: 544
Data de lançamento: Dezembro de 2019
Sinopse
Moonshadow é um adolescente quase normal. Filho de uma humana e de um Des-Mesu, espécie alienígena que age somente com base em impulsos repentinos, o garoto é jogado em uma série de aventuras intergalácticas ao lado de seu gato, Frodo, e de Ira, uma criatura cuja origem é incerta e que só pensa em suas bebedeiras e empreitadas noturnas.
Os encontros do trio são relatados por um Moonshadow já idoso, que apresenta suas aventuras como sua “jornada do despertar”.
Positivo/Negativo
Além de autor de livros de fantasia, o britânico J.R.R. Tolkien (1892-1973) passou boa parte de sua vida debruçado em estudos dedicados aos contos de fadas, especialmente aqueles surgidos no Reino Unido, França e Alemanha.
No ensaio Sobre contos de fadas, Tolkien afirma que nem todo conto de fadas precisa trazer fadas em sua trama, mas sim apresentar as aventuras humanas no que ele chama de “reino feérico” – um lugar que traz “uma beleza que é encantamento e um perigo sempre presente”.
Pela definição de Tolkien, Moonshadow cumpre o que promete em sua premissa: ser um conto de fadas para adultos.
DeMatteis, no texto de quarta capa, diz que Moonshadow é um encontro espacial entre David Copperfield, livro do britânico Charles Dickens publicado em 1850, e Sidarta, romance do alemão Herman Hesse lançado em 1922. Apesar de a frase soar como um slogan publicitário, ela não é exagerada ou fora da realidade.
Em David Copperfield, Dickens narra, em 1.160 páginas, as aventuras e desventuras do protagonista que dá nome ao livro, com o próprio relatando os episódios mais marcantes de sua infância até a vida adulta.
Já em Sidarta, Hesse ficcionaliza a vida de Siddharta Gautama, o príncipe nepalês que viria a se tornar o Buda, em um livro que lhe renderia o Nobel de Literatura no ano de 1946. Em suas páginas, o leitor encontra a jornada espiritual do protagonista de sua juventude na região do atual Nepal ao encontro da paz plena, já adulto.
Com essas duas premissas em mente, é possível ver em Moonshadow o encontro de ambas as narrativas, já que o roteiro de DeMatteis conta tanto o amadurecimento do protagonista em questões mundanas – como a sexualidade e a perda das ilusões da infância –, como também o amadurecimento “espiritual” do herói, que precisa encarar a completa indiferença do Universo perante os seres que habitam-no, tomando esse fato como base para as decisões que virão a construir sua identidade.
É interessante e bonito de ver como DeMatteis cria um bildungsroman – um romance de formação de personagem, nos termos da crítica literária – que mistura o real e o fantástico em uma história que é profundamente relacionável para todos aqueles que já passaram pelo duro e penoso processo de amadurecimento.
O processo de formação do protagonista se estende para além do texto propriamente dito, se fazendo presente também no subtexto. Ainda criança, Moonshadow recebe uma flauta de sua mãe, e aprende a tocar o instrumento, tornando-se fluente nele.
Há, dentro do campo da interpretação dos sonhos, a ideia de que a flauta representa a sedução – não só a sexual, mas também aquela por alguma coisa que, no caso do quadrinho, é o prazer de viver, de se ver como ser ativo em uma existência que, em muitos casos, se resume a grandes períodos meramente passivos.
É, como o próprio DeMatteis define em um texto presente nos extras desta edição, “uma jornada do insignificante e do desespero ao sentido e à esperança”.
Dentro da lógica dos contos de fadas, segundo a linha de psicologia estabelecida pelo suíço Carl Jung (1875-1961), há um aspecto de sonho, uma materialidade que se mostra aos interlocutores da narrativa como uma que está lá, mas que, por integrar o reino da fantasia, também é diluída, frágil.
Em Moonshadow, essa característica se apresenta por meio da arte aquarelada de Jon J. Muth, com o auxílio poderoso de Kent Williams e George Pratt em alguns capítulos (na primeira versão encadernada da obra no Brasil, lançada pela Globo, em 1992, o desenhista dedica a obra aos dois e "os tempos de um por todos e todos por um").
Isso fica ainda mais evidente pelo fato de que a aquarela, para ser usada, precisa ser diluída em água. Os personagens e paisagens estão lá, mas habitam um passado distante em relação ao tempo presente da narrativa e, como se materializam no reino feérico, que, segundo Jung, surge de uma expressão do inconsciente coletivo, trazem para si a aparência onírica.
A edição publicada pela Pipoca & Nanquim é, de fato, a versão definitiva da história, não só por trazer, em um projeto gráfico estupendo, a minissérie completa e seu epílogo, Adeus, Moonshadow, até então inédito por aqui, mas também por oferecer ao leitor uma série de extras que contam o processo criativo de DeMatteis e Muth.
Dentre o conteúdo adicional estão as primeiras anotações de Stardust, conceito criado por DeMatteis em 1977 que teria alguns de seus elementos incorporados no que se tornou Moonshadow; páginas de roteiro; uma carta enviada a Karen Berger, ex-editora da Vertigo, com uma sinopse de Adeus, Moonshadow, e esboços das capas da minissérie original.
O cuidado gráfico e editorial da Pipoca & Nanquim nesta republicação de Moonshadow é digno de aplausos. Destaque também para a bela sacada do tradutor Érico Assis ao batizar como Des-Mesu, os seres que no original se chamam G’l-Doses. Ele contou que, ao ler os extras, sacou que G’l-Doses era um anagrama de godless (sem Deus).
Então, ele entrou em contato com DeMatteis que não apenas confirmou a teoria, como disse que poucas pessoas perceberam isto, e o parabenizou, pois não se lembrava de outro tradutor tê-lo procurado para sanar dúvidas. Assim, surgiu Des-Mesu, um anagrama de sem Deus, em português.
Esta versão recente de Moonshadow é ideal para leitores antigos, novos e que ainda estão por vir, e que poderão alcançar a estante e, tal qual Peter Pan e o protagonista da HQ, rumar para a segunda estrela à direita, direto até o amanhecer, embarcando num belíssimo “era uma vez”.
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