Confins do Universo 216 - Editoras brasileiras # 6: Que Figura!
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MUCHA

1 dezembro 2012

MUCHA

Editora: Kingpin Books - Edição especial

Autores: David Soares (roteiro), Osvaldo Medina (arte) e Mário Freitas (arte-final).

Preço: € 8,95

Número de páginas: 32

Data de lançamento: Outubro de 2009

 

Sinopse

Mucha é uma extravagância visceral sobre a ameaça de desumanização que pende sobre a cabeça de Rusalka, uma camponesa que se vê, de um dia para o outro, imergida num mundo que insiste em ser uniforme, perigoso e destituído de qualidades.

Positivo/Negativo

Embora o diálogo dos quadrinhos com a literatura e o cinema esteja cada vez mais presente, vale lembrar que a arte sequencial também flerta com o teatro.

Shakespeare, claro, foi um dos primeiros dramaturgos a ser adaptado para os quadrinhos - aliás, até o momento ninguém o fez com mais brilho do que Neil Gaiman -, mas atualmente há uma preferência por autores mais viscerais.

Um bom exemplo é a HQ portuguesa Mucha, que toma como referência a peça surrealista Rhinocéros, de Ionesco.

A obra foi escrita por David Soares, um jovem e talentoso autor português, especialista em narrativas de horror fantásticas.

A trama tem início com um pesadelo de Rusalka, uma camponesa polaca grávida, pressagiando a situação absurda que estaria por vir.

Todos os habitantes da pacífica aldeia de Rusalka começam a sentir uma estranha dor de cabeça, que os leva a metamorfosearem-se em moscas assassinas.

Tal qual o personagem Bérenger, da peça de Ionesco, Rusalka é a única a não sofrer mutação, porém lhe atormenta não saber o que é o ser que carrega no ventre, se um bebê, uma larva de mosca ou um híbrido.

Prestes a parir esse ser "desconhecido" num mundo em transformação, Rusalka presencia soldados nazistas obrigando judeus polacos a cavar uma vala, e tem seu destino selado pelas mãos adestradas a exterminar seres "defeituosos".

Rusalka, cujo nome é uma referência ao ser metade mulher/metade peixe da mitologia eslava, representa o ser humano perdido entre a revolta dos conformados (por isso, em vez de rinocerontes, são transformados em seres frágeis, como as moscas) e a subordinação à tirania de uma ideologia que oprime o pensamento individual, padronizando e pasteurizando a sociedade.

Mesmo constatando que as moscas são os aldeões (encarando a realidade), ela os teme e foge. Suas dúvidas a fragilizam perante a certeza alienante das massas.

Diferente da sereia mitológica, ela não prega peças nos homens. Ao contrário, é facilmente abatida por aqueles que planejam tomar o poder de forma organizada e racional.

Assim como Ionesco, Soares teceu uma crítica às ditaduras totalitárias, aos movimentos de massa e ao conformismo. No entanto, enquanto o dramaturgo finalizou seu texto com uma mensagem pró-anárquica, Soares optou por seguir um final absurdo-irônico-pessimista à la Kafka.

O traço limpo de Osvaldo Medina (A fórmula da felicidade) ganhou peso com a arte-final de Mário Freitas (Super Pig), dando à trama um aspecto sombrio e perturbador, compensando os poucos diálogos com imagens impactantes.

Uma geração muita boa de roteiristas e desenhistas portugueses está se firmando, como João Mascarenhas, Nuno Duarte, Pedro Serpa, Fernando Dordio, Filipe Teixeira, Hugo Teixeira, GEvan, além dos criadores de Mucha.

Boa parte desses artistas vem sendo publicada, em tiragens pequenas, pela editora lisboeta Kingpin Books.

Excetuando José Carlos Fernandes, que teve a série A Pior Banda do Mundo e as graphic novels Coração de Arame e As aventuras do Barão Wrangel, publicadas pela Devir, os demais são completos desconhecidos dos leitores tupiniquins.

Está mais do que na hora de acolhermos artistas tão promissores.

 

Classificação:

4,0

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