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Neonomicon

1 dezembro 2012

NEONOMICON

Editora: Panini Comics - Edição especial

Autores: Alan Moore (texto), Antony Johnston (texto), Jacen Burrows (arte), Juanmar (cores) - Originalmente em The Courtyard # 1 e # 2 e Neonomicon # 1 a # 4.

Preço: R$ 24,90

Número de páginas: 184

Data de lançamentoAgosto de 2012

Sinopse

Misteriosos assassinatos atraem a atenção do FBI e, durante sua investigação, revelações indicam coincidências muito estranhas.

Para chegar à verdade, um expert na revolucionária Teoria da Anomalia envolve-se em uma missão sob disfarce que o leva a um clube que abriga uma seita suspeita possivelmente envolvida com os crimes.

Mas o rumo sobrenatural dos acontecimentos exige a presença de dois outros investigadores que serão levados ao extremo do horror e aos limites da realidade como a conhecemos.

Positivo/Negativo

Mesmo ausente da adaptação para os cinemas, sem dúvida, a citação mais famosa que Alan Moore fez à obra do escritor americano de terror H. P. Lovecraft está nas páginas finais de Watchmen.

Uma certa monstruosidade cheia de tentáculos presente na clássica série dos anos 80, considerada a obra-prima do inglês, remete diretamente a Cthulhu, monstruosidade máxima a sair da mente de Lovecraft, que viveu entre 1890 e 1937.

Tal status certamente não vai ser ultrapassado pela edição especial que a Panini acaba de lançar no Brasil, dois anos após sua publicação nos Estados Unidos. Mas se não vai alcançar a fama de Watchmen, ao menos Neonomicon merece ser conhecida como o maior mergulho que o quadrinhista deu na obra de Lovecraft.

A começar pelo nome da HQ, referência explícita ao infame livro ficcional que aparece em diversos contos de Howard Phillips, o Necronomicon.

E essa recente criação de Moore também deve entrar facilmente para sua lista de trabalhos mais polêmicos, ao lado de Lost Girls, pois algumas comic shops norte-americanas se recusaram a comercializar o produto, alegando que seria "pesado" demais.

Da mesma forma, gerou controvérsia o fato de uma menina ter tirado a obra por empréstimo em uma biblioteca pública dos EUA, apesar dos avisos da capa de que se tratava de material adulto, que deveria ser mantido fora do alcance de crianças.

Mas, afinal, o que há nesta série publicada pela Avatar Press de tão controverso, mesmo levando-se em conta o retrospecto de Alan Moore e de H. P. Lovecraft, criadores conhecidos por sua genialidade e por suas obras muitas vezes perturbadoras?

Pra começo de conversa, é bom lembrar que a editora responsável pela publicação é conhecida por dar total liberdade a seus criadores. A independente Avatar, desde sua criação, em 1996, tem a fama de jamais censurar os quadrinhistas que lança.

E Alan Moore usou tamanha liberdade para fazer algo que realmente força os padrões da indústria de quadrinhos para limites poucas vezes vistos fora do cercadinho do underground.

O grande motivo para o barulho provocado pela obra (originalmente uma minissérie) está na longa sequência que mostra, de maneira explicitamente gráfica, uma orgia que logo se transforma em um estupro coletivo.

Mesmo entre fãs do quadrinhista inglês e do escritor norte-americano, esse trecho provocou reações acaloradas, chegando às raias do repúdio.

Porém, vale lembrar duas coisas. Primeiro que, apesar de todo o impacto, graças a uma ótima sacada narrativa, tal trecho ao mesmo tempo consegue ser um ótimo exemplo de que, em termos de terror, o ideal é não mostrar tudo.

Em segundo lugar, é preciso ter em mente que Moore é um reconhecido ativista dos direitos femininos e um crítico feroz da maneira fetichista com que mulheres muitas vezes são representadas nos quadrinhos norte-americanos.

Se alguém com esse perfil resolve descrever algo de maneira tão crua e cruel, é porque suas intenções passam longe do mero enfoque do entretenimento.

O resultado das várias páginas em que a cena se passa, com sua tensão crescente, dá uma ideia do terror físico e psicológico enfrentado pela personagem violentada. Deixa no ar uma sensação ainda mais aterradora que outros estupros retratados por ele em HQs como a citada Watchmen, a Saga do Monstro do Pântano ou o segundo volume da Liga Extraordinária.

E a cena também não está lá apenas para chocar e provocar barulho. A analogia que ela suscita é muito interessante, propondo uma nova leitura das mais famosas criações de Lovecraft, indo além do que o escritor imaginou nas décadas de 1920 e 1930.

Mesmo com toda a parte explícita, como é típico de Moore, para o total entendimento do que está ocorrendo, o leitor deve estar atento a minúcias. Neste caso, as pistas devem levar em conta até mesmo a pronúncia das palavras por parte de um dos personagens da história.

Para garantir que não houvesse grandes perdas na adaptação do material, a Panini chamou para cuidar da tradução Guilherme da Silva Braga, um acadêmico de letras e já acostumado a verter para o português vários livros de Lovecraft citados na HQ, tais como O chamado de Cthulhu e A sombra de Innsmouth.

Além de fazer o melhor possível para preservar jogos de palavras, o tradutor ainda assina o prefácio do encadernado, no qual chama a atenção para diversas peculiaridades, pontos de encontro e de afastamento, dos dois astros daquele material.

Pois, para ficar ainda no contexto sexual, na obra de Lovecraft o tema é posto de lado, escamoteado, um tabu. Já em muitos trabalhos de Moore, o sexo é o combustível principal, encarado de modo totalmente livre. H.P. era ainda reconhecidamente racista, com diversos textos evidenciando seu desprezo pelos negros.

Não é para menos que o roteirista britânico escolheu demarcar tais diferenças, escolhendo como personagens principais de Neonomicon um casal de agentes do FBI formado por um descendente de africanos e por uma mulher em tratamento por sua compulsão sexual.

Ou seja, ele não poupou mesmo nada em termos de polêmica para este projeto, cuja principal motivação, confessou, foi arrumar dinheiro para pagar dívidas com o fisco da Inglaterra.

E o desenhista encarregado de materializar tamanha carga de horror é um artista regular daquela editora, Jacen Burrows, que com sua arte acadêmica já assinou trabalhos escritos por Warren Ellis e Garth Ennis na Avatar.

É ele também que cuidou do desenho de O pátio, outra minissérie acertadamente também incluída no encadernado da Panini, que adaptou, com roteiro Antony Johnston, um conto escrito anos atrás por Alan Moore.

A minissérie em quatro edições Neonomicon seria, portanto, uma continuação direta dos eventos mostrados em O pátio, que também gira em torno do FBI investigando um caso dentro do universo de monstruosidades lovecraftianas.

Na primeira minissérie, a diagramação adotada por Jacen Burrows é constante, com as páginas divididas em dois quadros verticais que remetem às duas colunas de muitas revistas clássicas de contos. Preste muita atenção nos detalhes da arte das páginas 52 e 53. Vale a pena.

Já em Neonomicon, a divisão quase sempre é em quatro quadros horizontais, simulando as proporções de uma tela de cinema.

Completa o encadernado, uma grande variedade de capas alternativas, todas feitas por Burrows, para cada exemplar das duas minisséries e para suas versões encadernadas, com capa dura e simples.

Essa galeria permite pôr em dúvida se a Panini acertou em sua escolha para o encadernado que produziu para o mercado brasileiro. Apesar de muito chamativa, sem dúvida, a própria capa acaba servindo de spoiler para um trecho da HQ, pois originalmente ela serviu para apresentar apenas a quarta e última parte de Neonomicon.

Se tivesse optado por algumas das outras possibilidades à mão, talvez a editora aumentasse ainda mais o impacto de quando uma criatura aquática finalmente surge de corpo inteiro na publicação.

Mas fica a expectativa por mais material dessa jovem e polêmica editora no Brasil, de preferência com um preço tão atrativo quanto foi o deste lançamento.

Classificação:

4,0

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