Elementos de soap operas, as tradicionais telenovelas de produção norte-americana, funcionam nas histórias de super-heróis com sucesso desde que Stan Lee apresentou suas criações Homem-Aranha e Quarteto Fantástico, em que as identidades reais dos personagens passaram a ter tanto valor quanto suas contrapartes mais conhecidas.

Situações dramáticas, como namoro e o preço da fama, logo dividiram espaço com as batalhas para salvar a cidade ou libertar o planeta, e a tendência se tornou cada vez mais recorrente.

O diferencial de Noble Causes, um cultuado título criado por Jay Faerber e publicado pela Image, foi fazer de tais dramas o ponto focal de sua narrativa, deixando o aspecto super-heroico em segundo plano.

Assim como nas produções televisivas, a série exibiu os conflitos internos de uma complicada família de super-heróis, tão poderosa que quase não voltava mais suas energias contra as forças do mal, mas cujos problemas íntimos rendiam histórias sempre interessantes e provocativas.

Nesta edição Noble Causes Archives, um volumoso encadernado com suas primeiras desventuras, o leitor comprova o talento de Faerber e a versatilidade de sua proposta.

O ponto de partida da série é o casamento do jovem velocista Race Noble com a encantadora Liz, mulher comum que ele conheceu numa livraria. Ela passou a viver, então, o que poderia ser um verdadeiro conto de fadas, mas se mostrou cada vez mais carregado de veneno.

Os Noble logo foram revelando seus membros apodrecidos, esqueletos no armário e verdades ocultas bastante diferentes da imagem pintada pela mídia. E não demora até que uma tragédia atinja o casal apaixonado, numa clara demonstração que só se deve esperar o inesperado nas histórias dessa família superpoderosa.

Jay Faerber, numa entrevista na época do lançamento da revista, afirmou que não via nada tão chato quanto super-heróis tendo que salvar o mundo mês após mês. Foi uma declaração controversa, mas o autor justificou bem suas preferências com sua abordagem pouco usual para tramas de justiceiros em uniformes coloridos.

Embora o tema das relações familiares não seja uma novidade nos quadrinhos, Noble Causes se destaca pela ênfase em rivalidades, intrigas, vingança e adultério. Mas tudo num clima leve, sem pesar demais ou cair no dramalhão, e sempre com muito bom humor.

Os membros da família incluem o gênio cientista, a garota sexualmente liberada e até o herdeiro de um trono no inferno, dentre outros. E vale dizer que todos têm seu momento para brilhar, sua vida pessoal devassada e personalidade bem definida. A série alterna a narrativa principal com histórias secundárias, ilustradas por artistas convidados, mostrando pontos importantes na vida dos personagens.

A arte é mais um ponto positivo, já que Faerber reúne um conjunto de talentosos colaboradores, como a badalada Amanda Conner e o menos conhecido Matt Wendt, que mantiveram o clima desencanado de simplicidade e diversão.

Após especiais e minisséries, Noble Causes virou série mensal com mais uma reviravolta inesperada em sua narrativa, e os criadores tiveram oportunidade de investir num planejamento de longo prazo e subtramas mais intrincadas. Essa fase é ainda mais prazerosa de acompanhar num encadernado, com leitura num único fôlego.

Jay Faerber apresentou uma das abordagens mais originais em quadrinhos de super-heróis da última década, mesmo que isso não tenha se refletido em sucesso comercial. Ainda assim, o autor, que veio de polêmicas fases em Novos Guerreiros e Novos Titãs, finalmente encontrou seu caminho e repetiu a dose em Dynamo 5, mais uma drama familiar super-heroico publicado pela Image.

Noble Causes ganhou o reconhecimento de criadores como Mark Millar, Geoff Johns e Gail Simone - os dois últimos incluídos entre os colaboradores de uma minissérie posterior com a família Noble - e marcou seu espaço na editora que mais tem investido em criações autorais nos últimos tempos.

E, mais uma vez, fica a certeza da possibilidade de contar todo tipo de história num gênero que muitos julgam esgotado. Bastam talento e criatividade.