Confins do Universo 216 - Editoras brasileiras # 6: Que Figura!
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NonNonba

4 maio 2018

NonNonbaEditora: Devir – Edição especial

Autor: Shigeru Mizuki (roteiro e arte) – Originalmente publicado em Nonnonbaa to Ore (tradução de Arnaldo Masato Oka).

Preço: R$ 89,90

Número de páginas: 424

Data de lançamento: Março de 2018

Sinopse

Na década de 1930, na vila nipônica de Sakaiminato, na província de Tottori, o garoto Shigeru Muraki se depara com uma série de youkais – entidades sobrenaturais –, entre uma e outra investida bélica com seus amigos contra os meninos da outra vizinhança e a chatice de frequentar a escola.

Vindo de uma família modesta, ele alimenta uma grande amizade por uma senhora que é considerada a NonNonba (designação das mulheres idosas devotas à religiosidade) da região. Ela o ensina sobre como lidar com esses seres e espíritos dos mais variados tipos e atribuições.

Positivo/Negativo

O universo dos mangás – e os quadrinhos, de forma geral – tem muito a agradecer a nomes como Osamu Tezuka (1928-1989), Mitsuteru Yokoyama (1934-2004), Shotaro Ishinomori (1938-1998) e Shigeru Mizuki (1922-2015), dentre outros autores japoneses.

Inexplicavelmente, a maioria desse panteão nunca foi publicada por aqui. Neste ano, Mizuki ganha sua primeira edição brasileira com NonNonba.

Nascido como Shigeru Mura, ele passou mais de seis décadas a serviço dos quadrinhos, evidenciando e popularizando entre os jovens o gênero de horror. Para se ter uma pequena noção da sua importância, há um museu e uma rua batizados com seu nome na cidade de Sakaiminato, onde existem mais de uma centena de estátuas personificando seus personagens e criaturas, que chegou a render uma enciclopédia dos folclóricos youkais.

Arte de NonNonba

Homenagem a Shigeru Mizuki

Muitos desses monstros e espíritos desfilam no divertido NonNonba, publicado originalmente no Japão em 1977. Com toques biográficos, explicitamente o jovem protagonista é a personificação do autor na sua própria terra natal às portas da Segunda Guerra Mundial.

O tema bélico, inclusive, seria muito caro ao quadrinhista anos mais tarde: chegou a ser o único sobrevivente do seu destacamento, o que lhe rendeu uma dura repressão e desonra por não ter morrido pelo país.

Sua passagem na Segunda Guerra rendeu a índole pacifista e lhe custou um braço, consequência de um bombardeio aliado. Do front nasceram obras como Sôin Gyokusai Seyo! (Marcha para uma morte nobre!, em tradução livre).

Voltando a NonNonba, os garotos da infância de Mizuki se dedicam a uma brincadeira premonitória, se armando com paus e pedras para combater outros grupos de crianças da vizinhança. Ostentando bandeiras e canções na cadência da marcha, a brincadeira é levada tão a sério, que há o banimento de membros.

Esses embates remetem ao clássico A Guerra dos Botões, obra escrita pelo francês Louis Pergaud (1882-1915) e publicada originalmente em 1913. Inclusive, chegou a ser adaptada algumas vezes para o cinema e também para os quadrinhos (lançada por aqui em 2013 pela editora Salamandra).

Página de NonNonba

Também é citada no mangá a invasão do território chinês da Manchúria, o que colocou o Japão em isolamento pelos países ocidentais e os consequentes problemas sócio-econômicos que são diluídos ao longo dos capítulos.

Mas tudo isso fica em segundo plano para a diversidade de youkais que são apresentados pela sábia NonNonba e entrelaçam as aventuras de Shigeru. Apesar de o jovem ser preguiçoso para os estudos, ele ouve atentamente a anciã e seus “retratos falados” dos seres, ademais as soluções para seus enfrentamentos.

Há os monstros que caem em cima dos descrentes, o inofensivo pegajoso que segue seus passos, sombras pesadas, crianças linguarudas lambedoras de sujeira de banheiro, até os mais letais, como verrugas falantes e os espíritos de viajantes que morreram de fome e paralisam quem estiver nas mesmas condições.

Verdadeira enciclopédia ambulante com seus olhos sempre esbugalhados, a NonNonba serve de professora sobre youkais e conselheira para os problemas do garoto.

O humor de Mizuki tem a leveza das situações e os aspectos caricatos de seu traço, sempre envolto de um cenário realista e bastante detalhado. Em momentos de suspense ou que invoquem – mesmo de forma comedida – o horror, não são apenas os youkais que assustam.

Um exemplo é o pai do protagonista, um bancário que sonha com a vida de contador de histórias, mas que entra em horas de desespero quando sabe que um ladrão de bancos está à solta no seu plantão da madrugada.

O autor trabalha também com o humor de repetição quando coloca as características de descrente que termina acreditando de um dos irmãos de Shigeru ou o mantra evocado pela mãe, que sempre relembra ser de uma família com direito a sobrenome e a portar espada.

Aspectos poéticos e filosóficos também se encontram enraizados nas mais de 400 páginas de NonNonba. Desde um esforço de representação do paraíso de forma operística até a divagação de um youkai, na qual afirma que “um instante é eterno e uma eternidade dura um instante”.

Arte de NonNonba

Este é o segundo título da coleção Tsuru, da Devir, que reúne obras de autores japoneses, clássicos e contemporâneos, historicamente importantes para os quadrinhos e para a cultura nipônica – o primeiro foi O homem que passeia, de Jiro Taniguchi (1947-2017).

Seguindo os mesmos moldes, a edição é em brochura com capa cartonada (sem orelhas) e sobrecapa, formato 17 x 24 cm, papel antirreflexivo munken print cream, com boa gramatura e impressão. Nos extras, um glossário dos youkais e um texto do quadrinista, editor e pesquisador norte-americano Jason Thompson sobre Shigeru Mizuki. Das 424 páginas, seis são coloridas.

Infelizmente, moldes negativos da edição anterior também foram seguidos: há muitas mancadas de revisão na publicação. São erros de concordância, de digitação, repetição de palavras e de informações no rodapé, palavras coladas, dentre outras.

No texto de Thompson mesmo tem um “Osama” Tezuka e a informação errônea que NonNonba foi “adaptada para mangá” em 1992.

Com um projeto que preenche um espaço editorial vital, a editora deve evitar equívocos de materiais tão importantes como este. Para se ter uma ideia, NonNonba foi o primeiro mangá vencedor na categoria de Melhor Álbum do Festival Internacional de Quadrinhos de Angoulême, na França, em 2007.

Assim como Ayako, obra de Tezuka também produzida nos anos 1970 e lançada recentemente pela Veneta, esta HQ do Mizuki sobre o amadurecimento, a cultura japonesa e o contexto social e histórico é essencial para os amantes de grandes autores.

Classificação:

4,5

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