O amor infinito que tenho por você e outras histórias
Editora: Balão Editorial – Edição especial
Autor: Paulo Monteiro (texto e arte).
Preço: R$ 30,00
Número de páginas: 72
Data de lançamento: Abril de 2014
Sinopse
Coletânea de histórias curtas criadas e publicadas pelo autor português Paulo Monteiro entre 2005 e 2010.
Positivo/Negativo
Uma história em quadrinhos se faz com desenho (e/ou pintura) e palavra. Fugindo já de início da longa e tortuosa discussão da definição de HQ, é por meio dessa constatação bastante simples que se chega à ideia da linguagem híbrida: meio literatura, meio artes visuais, com alguns apostando ainda no cinema.
Investindo nessa noção, ao abrir O amor infinito que tenho por você e outras histórias o leitor vê desenhos (todos em preto e branco) e pode ler um texto como o que segue:
“Rondarei todas as noites o seu prédio, depois de levar você pra casa...
Acenderei um cigarro atrás do outro. Até chegar a madrugada, porque sei que nunca descerá a escada para me ver.
Respirarei você ininterruptamente e sem repouso, sempre que estivermos juntos...
Morderei os lábios para não te beijar...
E ficarei distante e fechado sobre mim mesmo quando nada fizer sentido.
Nos momentos menos dolorosos, direi tolices e riremos todos...
E ninguém saberá do amor infinito que tenho por você.”
(Vale anotar que a Balão optou por tirar as marcas típicas de português europeu, “abrasileirando” o texto.)
O que está acima é o todo o texto da história O amor infinito que tenho por você, que abre o álbum. Influenciado pela disposição visual do texto nesta resenha, por seu conteúdo, por seu ritmo e, principalmente, por estar alijado das suas figuras, se poderia dizer que se trata de um poema, ou mesmo, um conto curto.
Mas não é isso.
Nega-se aqui o meio caminho, que no fim das contas não é nem literatura, nem desenho. Ao se privilegiar a noção de HQ como um meio autônomo, esse belo texto deve ser encarado apenas como parte do material que compõe a linguagem história em quadrinhos.
Aos que tiverem o álbum em mãos, convida-se ao exercício de ler as imagens ignorando as legendas verbais que as acompanham. Não há menor dúvida de que se trata de imagens sequenciais que buscam apresentar um sentido ao seu leitor. Mas, por mais interessantes que elas sejam como composição, traço e simbologia, sua força maior é a relação que estabelece entre si e os textos verbais que as acompanham.
Assim, a totalidade do potencial comunicativo da obra de Paulo Monteiro surge quando é lido imagem + legenda, na sequência dos painéis a cada página. E, sem dúvida, isso é usar a linguagem das histórias em quadrinhos em alto nível.
As tramas do livro são linhas sutis, transparentes e finas, porém resistentes, pois é nelas que se pendura uma complexidade muito tentadora de significações. São também longas, pois descem profundamente na busca pelos sentidos.
É um livro pra ser lido e deliciado aos poucos, com calma. O ritmo de leitura pretendido por O amor infinito que tenho por você e outras histórias é bem diferente do corte rápido, da velocidade insana, de voar com uma capa no pescoço por Nova York.
Em Para lá dos montes, uma linda HQ desta edição, o personagem acorda e se prepara para o dia, sem saber muito bem o que esperar. Numa apropriação muito livre, é possível pensar que o protagonista é o leitor, que vai passear por pequenas cidades portuguesas, como se seguisse um vagalume. Há algo lá ao final, sim, mas o que é?
Vale a pena ao leitor voltar, observar todo o seu caminho, reponderar sobre suas escolhas, aproximar-se do chão e recolher as pedras. Há sutilezas no traço, no texto, na narrativa.
Mesmo a quantidade contida de histórias e de páginas em cada uma delas parece ser pensado para encapsular o efeito lírico em uma pílula que é dada ao leitor no início de cada HQ, para que o efeito aconteça pouco adiante. E esse efeito, caso o leitor se permita, é o deslumbramento.
Algumas histórias propõem uma narrativa mais visível e forte, mas Paulo Monteiro nunca esquece a comentada sutileza, que ressurge em forma de conteúdo emocional. Mas não pense o leitor que são emoções baratas ou dramalhão. Trata-se de lembranças fortes e capazes de tocá-lo. São exemplos disso A sua guerra acabou (baseada no avô do autor) e Porque este é meu ofício (sobre o pai de Paulo).
Ao final, depois das HQs, há trechos do diário de produção do artista. As dúvidas, a cobrança, as reconstruções comentadas nesses textos dão ao leitor uma nova perspectiva sobre tudo aquilo que leu e a vontade é retornar para reler aquilo que já se tornaram narrativas novas.
E é justamente dessa dúvida, desse meio-tom entre aquilo que é de fato e do que poderia ser que se ergue a força sutil do álbum. Aqui, não há gritos, mas conversas a meio-tom e poemas sussurrados. Você está ouvindo?
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