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O árabe do futuro – Uma juventude no Oriente Médio (1978-1984)

12 junho 2015

O árabe do futuro – Uma juventude no Oriente Médio (1978-1984)Editora: Intrínseca – Série em cinco volumes

Autor: Riad Sattouf (roteiro e arte) – Originalmente publicado em L'arabe du futur – Une jeunesse au Moyen-Orient (1978-1984) (Tradução de Debora Fleck).

Preço: R$ 39,90

Número de páginas: 160

Data de lançamento: Abril de 2015

Sinopse

Nascido na França em 1978, filho de pai sírio e mãe bretã, Riad Sattouf viveu uma infância peculiar. Ele tinha apenas três anos quando o pai recebeu um convite para lecionar em uma universidade da Líbia.

Em Trípoli, o menino entrou em contato com uma cultura completamente distinta e precisou superar o estranhamento diante de novos costumes — experiência que se repetiria pouco depois na Síria, quando o pai foi trabalhar lá.

Positivo/Negativo

Poderia ser apenas mais uma das autobiografias em quadrinhos que surgem vez por outra nas livrarias e gibiterias, mas a obra de Riad Sattouf reserva certa curiosidade pela distância não só física, como também social e cultural das origens do protagonista. Neste primeiro momento, o autor mostra a sua infância passada entre Paris, Líbia e Síria.

Da união atípica de uma mãe francesa, nascida na Bretanha, e um pai vindo de uma aldeia síria nos arredores de Homs, o pequeno Riad herdou as madeixas loiras europeias, motivo de muitos paparicos e adulações por onde passava.

É impressionante como a memória do quadrinhista franco-sírio é prodigiosa. Ele lembra vários aspectos de quando era bem pequeno, não só os retratados na sua arte cartunesca, dinâmica e funcional, mas também evocando odores e sensações nos lugares e nas pessoas.

É fácil lembrar – não comparar, vale ressaltar – um diálogo no mesmo dialeto biográfico da iraniana Marjane Satrapi e sua obra mais conhecida, Persépolis, mas O árabe do futuro tem suas características próprias e identidade além da nossa leitura como “estrangeiros”.

No começo dos anos 1980, quando o socialista François Mitterrand começava o mais longevo governo da França até os dias de hoje (foram 14 anos no poder) e tanto a Síria e quanto a Líbia viviam à sombra da ditadura, o pai de origem sunita do quadrinhista se mostrava adepto do movimento do Pan-arabismo, a unificação dos países de língua árabe.

Por ele, mandaria todos os árabes largarem o fanatismo e pegarem os livros para adentrar no mundo moderno – daí vem a justificativa do título. Mas, como bom mulçumano, critica os Estados Unidos e apoia o Iraque de Saddam Hussein, a Síria de Hafez al-Assad e Líbia de Muamar Kadafi.

Sem maquiar as atitudes liberais paternas, o autor também não encobre os preconceitos do genitor, que chega a comparar o vilão símio Doutor Gori, da série japonesa Spectreman, aos negros. Atitude que é repreendida pela mãe.

Mesmo com propostas melhores de emprego, como na prestigiada Universidade de Oxford, na Inglaterra, a obsessão do pai em manter a família perto das suas origens o leva a aceitar lecionar em lugares com Trípoli, na Líbia, onde as condições de vida eram precárias.

Um exemplo é a lei colocada pelo coronel Kadafi que extinguiu o direito à propriedade particular. Mesmo instalados no lugar, caso não houvesse ninguém em casa, outra família poderia simplesmente invadir e se apossar da residência. Para facilitar a aplicação de tal regra, o uso de cadeados ou fechaduras nas portas era estritamente proibido.

Já quando eles se mudaram para o Oeste da Síria, perto de Homs, o pequeno Riad teve que conviver com o preconceito e violência dos primos, garotos cascas-grossas que viviam soltos nas ruas. Por causa de sua “aparência exótica”, o protagonista era chamado de judeu pelos parentes de mesma idade.

Dentre as curiosidades do local, o leitor aprende um pouco sobre a arquitetura predominante para driblar as cobranças maiores de impostos, como age a censura e o câmbio para se ler uma revista francesa em território sírio, os xingamentos básicos da região ou como as diferenças entre árabes e israelenses se refletem até nos brinquedos.

Todos esses conceitos religiosos, sociais, culturais e políticos são integrados e fortalecidos nas contrapartes biográficas que mostram a perspectiva da inocência de uma criança nos detalhes, evidenciam o lado humano de cada personagem e não deixam de lado o tragicômico de muitos momentos na infância do autor.

Essas memórias de Riad Sattouf também justificam ser apenas um “vislumbre” acerca da complexidade do universo árabe, dotado de várias camadas e muitos matizes.

Por falar em cores, o quadrinhista utiliza muito bem a paleta praticamente monocromática nas páginas do álbum que remetem às bandeiras dos lugares de peregrinação da família. Quando está em solo francês, predominam azul e branco, com alguns detalhes em vermelho; já nos países árabes, o tom muda para vermelho ou verde.

A edição marca a estreia da Intrínseca nos quadrinhos europeus (já foram lançados dois manhwas baseados na saga vampiresca Crepúsculo e três adaptações da série norte-americana Percy Jackson). O álbum tem capa cartonada com orelhas, formato 17 x 24 cm, miolo em papel pólen de boa gramatura e impressão.

A editora poderia colocar uma breve biografia do autor como profissional das HQs e do cinema para situar melhor o leitor sobre quem é Riad Sattouf, ex-colaborador do jornal Charlie Hebdo e vencedor de um prêmio César, o “Oscar francês”, pela comédia Les Beaux Gosses (2009).

Outro equívoco foi não colocar em nenhum lugar – com exceção do “continua...” na página final – que a obra terá mais volumes. Lançada em 2014, a segunda parte da saga saiu recentemente na França.

Apesar disso, o maior acerto da Intrínseca foi trazer “ainda quente” esta obra tão consistente e importante quanto um Persépolis. Tanto que O árabe do futuro conquistou o prêmio de Melhor Álbum na 42ª edição do Festival Internacional de Quadrinhos de Angoulême, realizado este ano.

Classificação

4,5

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