Viajante interplanetário, cosmonauta, espaçonauta. São várias as definições no dicionário para o nome desta obra, que parte do imaginário popular para contar histórias que relacionam o lado humano com a imensidão espacial.

Muito se falou quando o homem pisou na Lua, na década de 1960. Depois disso, os astronautas ganharam as artes, sendo figuras do cinema, literatura, música e histórias em quadrinhos. Em qualquer mídia, o sucesso estava garantido ao utilizar elementos de ficção científica para ganhar o apelo do público.

O astronauta ou livre associação de um homem no espaço vai contra tudo isso. Primeiramente, utiliza muito mais a imaginação e referências sobre cultura popular do que, de fato, viagens espaciais em suas imagens.

A narrativa impera sobre os diálogos, já que há pouquíssimos balões de falas, se comparados às frases que descrevem a história nos recordatórios. O texto é cheio de frases curtas e os desenhos são enormes, fazendo um trabalho balanceado na cabeça do leitor - ora o texto se comunica muito mais que as imagens, ora os quadros "falam" mais que as palavras.

Lourenço Mutarelli reúne aqui uma sofisticação pouco vista em seus trabalhos anteriores. São referências que vão do escritor Goethe ao matemático Kepler, e denunciam uma característica mais erudita.

O autor parecia ter estagnado sua criatividade num certo ponto e até anunciou que pararia de desenhar quadrinhos. Mas isso foi só para se mostrar ainda mais polivalente: escreveu peças, livros e participou de filmes, todos reconhecidos pelo público e elogiados pela crítica.

O astronauta marca seu retorno aos álbuns de quadrinhos. O tema surgiu por intermédio de Flávio Moraes, fotógrafo que necessitava de um trabalho de conclusão de curso (TCC). Ele falou da ideia para Mutarelli, que gostou e se ofereceu para ser fotografado em seu próprio apartamento - onde a narrativa decorre de fato.

Reforçam o time Fernando Saiki e Olavo Costa, que transpõem cada fotografia de modo brilhante para o álbum. O interessante é que a narrativa se desenvolve de maneira filosófica, na qual a releitura é necessária para entender não só o texto, mas também para reinterpretar as imagens.

O tamanho grande do álbum (23 x 31 cm) só reforça essa ideia, que envolve a leitura ao ver cada detalhe nos panorâmicos traços de Saiki e Olavo.

Enquanto alguns quadrinhos mensais narram viagens espaciais com superseres combatendo o crime interplanetário, O astronauta mantém os pés no chão, fazendo um brainstorm de ideias que, em seu conjunto, mostram um lado extremamente maduro sobre nossa relação com as estrelas.

O mais legal é que a "viagem espacial" fica por conta de cada leitor, que ao abrir este título, se depara apenas com imagens sobre um homem em seu apartamento.

O título, agraciado pelo ProAC - Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo, só confirma o nome de Mutarelli como um dos autores nacionais que mais transpõem barreiras na arte sequencial e da Zarabatana, como uma das editoras que mais lança material de qualidade no País.