O GAROTO VERME
Autor: Hideshi Hino (texto e arte).
Preço: R$ 27,00
Número de páginas: 208
Data de lançamento: Agosto de 2008
Sinopse: Para as outras pessoas, Sanpei é um garoto esquisito. Adora vermes e cobras, brinca com animais de rua e gosta especialmente de um depósito de lixo que fica atrás de sua escola.
Um dia, vomita um verme vermelho. Com uma ferroada do animal, Sanpei começa a passar por uma transformação - que fará dele também um verme.
Positivo/Negativo: Antes de qualquer coisa, há um soneto de Augusto dos Anjos chamado O Deus-Verme, e vale relê-lo antes de entrar na discussão deste mangá de terror publicado pela Zarabatana:
Fator universal do transformismo.
Filho da teleológica matéria,
Na superabundância ou na miséria,
Verme - é o seu nome obscuro de batismo.
Jamais emprega o acérrimo exorcismo
Em sua diária ocupação funérea,
E vive em contubérnio com a bactéria,
Livre das roupas do antropomorfismo.
Almoça a podridão das drupas agras,
Janta hidrópicos, rói vísceras magras
E dos defuntos novos incha a mão...
Ah! Para ele é que a carne podre fica,
E no inventário da matéria rica
Cabe aos seus filhos a maior porção!
Há semelhanças, ainda que provavelmente por coincidência, entre o deus-verme de Augusto dos Anjos e o garoto-verme que vem do outro lado do mundo, cria de Hideshi Hino - o mesmo autor de A serpente vermelha.
Também há ligações com o Gregor Samsa, de Franz Kafka, que acordou transformado num inseto gigante, ainda que Sanpei seja menos reflexivo e, despencando-se rumo ao seu lado animal, desperte uma selvageria sem igual em A metamorfose.
E, até mesmo por questões geográficas e de gênero, há conexões com o terror japonês, que tem por hábito transformar em metáforas todas as emoções que a sociedade nipônica reprime.
No fim das contas, é isso que O garoto verme é: uma metáfora transformada em história em quadrinhos para ser lida no sentido oriental (ou, em mau português, do fim pro começo).
É um conto sobre um outsider nato. Sanpei é um pequeno sujeito que não é aceito nem mesmo pela pequena sociedade que lhe cabe, família e escola.
Transformado em animal (livre, portanto, das regras humanas), descobre que não precisa mais fugir. O Samsa de Kafka tenta se encontrar na humanidade, mas não Sanpei. O garoto vai em busca de si mesmo.
Ao morar no esgoto, com o lixo, se junta a tudo aquilo que a sociedade não quer mais. Como a espécie a que pertence é outra, o verme se alimenta até mesmo de um feto humano - cena que corajosamente estampa a capa da edição.
Não é o que lhe resta, porém. É o que quer. E é isso que faz de O garoto verme um conto devastador.
Pena a ausência do hífen obrigatório justo no título deste mangá, coisa que não compromete a obra, mas incomoda, porque a falta do traço martela na cabeça do leitor. Teria que ser, ao menos até que a nova ortografia seja adotada, O garoto-verme, claro - como Homem-Aranha e homem-morcego.
Pena mesmo, porque a Zarabatana é uma editora de um homem só, Claudio Martini, que faz tudo sempre com capricho, e o incômodo é porque se sabe que justamente é ele, mais que qualquer outro, quem fica mais perturbado com um tropeço desses.
Não faz mal: com ou sem hífen, O garoto verme é um mangá espetacular.
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