O MELHOR DE FEIFFER
Título: O MELHOR DE FEIFFER (L±)
- Edição especial
Autor: Jules Feiffer (texto e arte).
Preço: Variável (por estar fora de catálogo, só em sebos)
Número de páginas: 56
Data de lançamento: 1988
Sinopse: Antologia de trabalhos do quadrinhista nova-iorquino, que reúne pranchas humorísticas publicadas em jornais ianques no início dos anos 1980.
Positivo/Negativo: Embora não passe de um ilustre desconhecido para a maioria dos leitores brasileiros, Jules Feiffer é um nome primordial dos quadrinhos. Dono de uma carreira, brilhante (começou como assistente de Will Eisner em Spirit), fez de seu humor sagaz um dos pilares da geração intelectualizada dos anos 1950, iniciada com a sátira política de Walt Kelly, Pogo, e levada adiante por Charles Schulz, o "Freud dos quadrinhos", em seu arquifamoso Peanuts (Minduim).
Essas séries introduziram novas temáticas nos comics de então, valorizando sobremaneira o texto, em contrapartida ao preciosismo de mestres do traço, como Alex Raymond (Flash Gordon), Burne Hogarth (Tarzan) e Hal Foster (Príncipe Valente), tão caros aos fãs do período imediatamente anterior à Segunda Guerra Mundial.
Com o fim das batalhas e o início da Guerra Fria, criou-se certa demanda por uma arte mais intelectualizada, capaz de refletir os problemas e desafios de seu tempo. E os quadrinhos seguiram o comboio.
Depois de ficar em "animação suspensa", numa catatonia ufana, entupida de superseres invencíveis a combater os "inimigos da Democracia", os Estados Unidos caíram no divã de Feiffer para expor suas dilacerantes questões existenciais na pele de inúmeros anti-heróis anônimos, imersos em discursos contraditórios, a afirmarem unicamente sua vontade de sentir-se vivos.
Dando seqüência e amadurecimento à existência recheada de complexos das crias de Charles Schulz (em particular, o bom e velho Charlie Brown), Feiffer põe seus personagens espiritualmente nus sobre um fundo limpo.
A escassez ou até ausência de um cenário, aliada à postura dos "atores" (regidos por um traço fino que ressalta sutis variações de expressão e movimentos mínimos), gera uma certa atmosfera de teatro, mas daqueles feitos com um quase-nada de elementos.
São monólogos, diálogos ou sketches em que estranhos expõem seus propósitos, intenções secretas, desejos contraditórios, frustrações, de um modo jamais experimentado nos quadrinhos (e raramente explorado por outras mídias).
Nos monólogos, os personagens falam diretamente ao público, sem intermediários. E com uma consciência raramente encontrada. Não são pessoas comuns, pois não se embaraçam, gaguejam ou escondem seus gestos. São modelos de existência, expostos em poucos quadros (sem moldura) com uma objetividade cruel. Dizem o que pensam, sabem exatamente o que está errado. Não são tipos, são arquétipos.
Essa caracterização dos indivíduos em Feiffer, em vez de provocar estranhamento, intensifica sobremaneira a identificação com o leitor. Mais que na gente "real", é nos modelos, nos arquétipos, que podemos nos ver em maior profundidade.
Nos diálogos, Feiffer, ora usa a lógica dos monólogos, ora joga com o conflito ou a complementaridade das opiniões, ao modo convencional. E nos sketchs, esboça cenas muito curtas (que em alguns momentos lembram Eisner), sempre brincando com a expectativa e os clichês.
Indiscutivelmente, Feiffer é um hábil investigador da alma humana. Neste álbum, mostra-se também um arguto comentador de Política. Muitas de suas páginas são dedicadas a críticas contundentes ao governo Reagan (o papel de ídolo do atual presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, deve bastar como currículo).
Da delicada relação com a URSS (eram os anos finais da Guerra Fria) ao intervencionismo político na América de Baixo, passando pelos gritos inertes dos liberais (a "esquerda" deles) e certa pressão indevida aos órgãos de Imprensa, em tudo o traço veloz, amassado e minimalista de Feiffer cravou sua ironia.
Apesar de serem ligadas a seu momento histórico, as piadas continuam atuais. Alterando-se certas referências aqui e ali, poderiam muito bem ser publicadas na edição de amanhã do New York Times.
Da prolongada questão palestina às inevitáveis frustrações sexuais, do cotidiano conflito de gerações ao assédio criminoso da propaganda, nada mudou. Ainda somos os mesmos, e nos reconhecemos em Feiffer; autor que é na verdade um lugar, onde os desgraçados se encontram para sentir-se menos sós, quiçá... vivos.
A edição da L± é bastante interessante, embora pequena. Lê-se muito rápido. Poderia ser mais encorpada e trazer mais informações, como a data em que cada prancha foi publicada e o contexto.
A escolha do material mais recente (na época) deixou de fora muita coisa boa. E Feiffer é um autor que merece ser degustado em sua plenitude.
Classificação: