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Peanuts Completo – 1957 a 1958

Editora L&PM – Edição especialR$ 75,00344 páginasLançado em março de 2011
Charles M. Schulz (roteiro e desenhos) – Originalmente em The Complet Peanuts – 1957 to 1958 (2005). Tradução de Alexandre Boide.
22 maio 2020

Sinopse

Quarto volume da coleção que compila, em ordem cronológica, todas as tiras diárias e dominicais de Peanuts, de Charles M. Schulz.

Positivo/Negativo

É muito comum tiras não nascerem prontas. Muitas delas vão testando personagens e situações, acertando e errando, e até mesmo só descobrindo seu protagonista bem depois de estrearem.

Em Peanuts, Schulz também precisou de tempo para compor seu elenco e definir personalidades. Este volume mostra o oitavo e o nono anos da série. E são dados mais alguns passos no lento desenvolvimento do Snoopy.

Presente desde as primeiras tiras da série, ele começou apenas como o bichinho de estimação das crianças da tira. Simpático e comilão, mas nada além disso. Sem voz, inclusive, a interior.

Com o passar dos anos, o leitor começou a acompanhar, pouco a pouco, seus pensamentos – principalmente suas reflexões sobre o fato de ser um cachorro. Nesta edição, isto está consolidado: sabe-se o tempo todo o que ele pensa sobre si e o mundo.

Por algum tempo, Schulz experimentou a melhor forma de transmitir ao leitor a “voz interior” do personagem. Nas primeiras vezes, usou uma espécie de balão de fala estilizado. Depois, o balão clássico de pensamento predominou. Mas, neste volume, em duas ocasiões em 1957, Schulz põe balões de fala normais no Snoopy.

Não há nenhuma razão para isso no contexto das tiras. Então, possivelmente, foram dois descuidos. Ou o autor ainda não tinha tão decidido como mostrar as ideias e aspirações do beagle.

O cãozinho ainda cresceria muito como personagem nos anos seguintes. Aqui, ele ainda é basicamente um cachorro, embora já bem consciente de si mesmo. Mas tem cada vez mais atitudes humanas: prossegue em suas imitações, dança, patina no gelo em duas patas, cumprimenta como se fosse uma pessoa, e até brinca com um bambolê e ouve discos em sua casinha.

Aliás, é no final de 1958 que, pela primeira vez, ele surge dormindo no telhado de sua casa de cachorro – uma marca visual que acompanharia o personagem dali pra frente. No futuro, Snoopy ainda passaria a andar sobre duas pernas, a se vestir de outras personalidades e personagens, a ter aspirações como escritor, a dar asas à fantasia.

Outro ponto importante de desenvolvimento diz respeito à amizade de Charlie Brown e Linus. O irmão de Lucy surgiu na tira como bebê – assim como havia acontecido Schroeder e como a própria Lucy.

Linus aprendeu a falar e andar e, em 1957 e 1958, começa a interagir mais com Charlie Brown. Nos anos que viriam, eles se tornariam melhores amigos.

Charlie Brown, por sua vez, já vinha tendo problemas com o beisebol. Mas nesta edição pela primeira vez se apresenta como o técnico do time – o que adiciona muitas camadas às suas frustrações.

Neste período, Charles Schulz já joga plenamente com profundos conflitos psicológicos. Algo então totalmente inesperado para uma tira centrada em crianças. Termos como “válvula de escape emocional” e “problemas profundamente enraizados” já são comuns nos diálogos.

Os melhores personagens têm suas cotas de solidão crônica, obsessões, paixões não correspondidas, negação da realidade e/ ou dependência emocional. Charlie Brown, claro, é terreno fértil para isso e Lucy rouba a cena como alguém que está lá para piorar ainda mais o dia do personagem.

Ela já havia tido grandes momentos nos volumes anteriores, com contestações absurdas da ciência que enlouqueciam Charlie Brown. Era uma piada rotineira que funcionava muito, mas que Schulz vai deixando de lado. Aqui, ela ainda dá gargalhadas ao ouvir que a Terra gira em torno do sol – o autor certamente não imaginou o quanto esta tira seria atual mais de 60 anos depois.

Agora, a personagem brilha ao espezinhar o já baixo moral de Charlie Brown. “Acrescentar insulto ao infortúnio é uma coisa irresistível para mim”, ela explica.

Como nas edições anteriores, a edição da L&PM é caprichada, em capa dura, com introdução do romancista Jonathan Franzen e o precioso índice onomástico no final.

No entanto, também persiste o erro de não haver notas explicativas a respeito de personagens reais citados nas tiras: são referências culturais dos Estados Unidos dos anos 1950, possivelmente desconhecidas para o leitor brasileiro do Século 21.

É o caso de Casey Stengel, ex-jogador e então técnico do time campeão de beisebol New York Yankees. Ou Pat Boone, cantor pop de sucesso. Ou Jim Hagerty, então secretário de imprensa da Casa Branca.

Ou o Doutor Spock, referência a Benjamin Spock, pediatra que havia lançado poucos anos antes The Common Sense Book of Baby and Child Care, um best seller sobre educação de crianças e que pregava mais tolerância e tentativa de entender as necessidades infantis – o que é fundamental para entender a tira na qual seu nome aparece e Lucy e Charlie Brown estão lendo e comentando o livro.

E ainda há as referências elevadas a compositores importantes, mas não de conhecimento geral e aparecem nas piadas com Schroeder. São nomes como Bela Bartok, húngaro do começo do Século 20; Stephen Foster, autor de Oh, Susanna e considerado o “pai da música americana”; ou o bonito pianista Van Cliburn.

Todos são verbetes no índice onomástico, e um parênteses após cada nome já resolveria a questão. A inclusão desse serviço em edições ainda a serem publicadas e nas republicações seria de imenso valor para os leitores.

Classificação:

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