Um belo lançamento da Globo.

A editora, que parecia afastado dos quadrinhos, traz às livrarias um "bicho raro" em nossas terras: quadrinhos argentinos. Claro, pode-se encontrar os excelentes Quino, Maitena e Liniers, mas, por exemplo, um dos maiores clássicos produzido pelos hermanos, El Eternauta, continua inédito por aqui.

O uruguaio Alberto Breccia, desenhista deste álbum, trabalhou em uma segunda versão de El Eternauta. E tanto lá, quanto em Perramus - Dente por dente, a sua arte compensa o valor pago.

A habilidade de Breccia no preto e branco é espantosa. O seu domínio de sombra, de narrativa e de arte-final é uma verdadeira aula. Seu estilo não é realista e tende ao difuso, criando painéis belíssimos e com ótima representação de movimento. As cenas que desenha não foram congeladas no tempo; o movimento é que foi paralisado e colocado para apreciação do leitor.

O roteiro de Juan Sasturain é bastante inteligente e cria o necessário clima de aventura e ação evocado pela proposta da trama. Os diálogos são bons e os personagens são bem desenvolvidos e possuem uma voz particular.

O uso de figuras históricas, como os escritores Jorge Luis Borges e Gabriel García Márquez e o cantor Frank Sinatra, é muito bem elaborado. E, por mais estranho que pareça, suas aparições fazem sentido dentro da trama.

Muito bacana também o uso de elementos grotescos na história. Sem falar no insólito propósito da busca: recuperar o sorriso da Argentina. Obviamente, tudo isso se alinhava à história do povo daquele país: Gardel, Che Guevara, Ilhas Malvinas, ditadura etc.

Mas nem tudo está afinado: há, pelo menos, dois problemas graves. O primeiro é do roteiro de Sasturain. Os personagens correm o mundo atrás de dez dentes de Gardel. Mas encontram somente nove, dizem ter procurado 12, se perdem nas contas várias vezes, dizendo ter mais dentes dos que efetivamente encontraram, em pelo menos três passagens diferentes do álbum.

O outro problema é de ordem editorial, por parte da Globo: Dente pro dente é o quarto álbum de Perramus. Por isso, não há mais preocupação em apresentar os personagens e localizá-los dentro do universo. O que é uma dificuldade e tanto para quem começa a história por este volume - caso do leitor brasileiro.

Se é louvável a publicação de materiais de alto nível como este, também é uma espécie de contrainiciativa apresentá-los fora de ordem e não dar garantias de que os três volumes iniciais sejam um dia apresentados ao leitor brasileiro.