PÉS DE PATO
Autor: Gilbert Hernandez (texto e arte).
Preço: R$ 43,00
Número de páginas: 144
Data de lançamento: Novembro de 2007
Sinopse: Coletânea de nove histórias criadas por Gilbert Hernandez para a série Love & Rockets.
Positivo/Negativo: Já faz um quarto de século que os irmãos Hernandez estão publicando Love & Rockets. A revista, dividida entre Gilbert e Jaime (e, às vezes, o terceiro Hernandez, Mario), chegou a ser o epicentro das HQs independentes nos Estados Unidos.
Afinal, não era pouca coisa: no árido começo dos anos 80, estavam na mesmíssima revista, trabalhavam lado a lado dois dos mais talentosos quadrinhistas do país, por acaso irmãos, mas que não eram colaboradores. Pelo contrário: eram diametralmente opostos, tão diferentes quanto o vinho e o uísque.
Por aqui, o título demorou a chegar. Com regularidade, apareceu apenas nos anos 90, graças a um projeto da Record, interrompido logo a seguir. Fora isso, deu a cara apenas raramente, em publicações esparsas. Até mesmo quando Gilbert se voltou para as HQs mainstream e escreveu Aves de Rapina para a DC, sua fase não desembarcou por estas bandas.
O caso de amor não-resolvido entre Brasil e Palomar ganhou um novo capítulo com a Via Lettera, que está publicando pausadamente os encadernados da série. O primeiro título do projeto, em agosto de 2004, foi Sopa de Gran Peña. Agora, mais de três anos depois, junta-se a ele Pés de pato.
Ambos contemplam criações de Gilbert, o irmão mais espalhafatoso, mais prolífico, um artista afiliado ao deus grego Dionísio - enquanto Jaime é evidentemente apolíneo.
Gilbert é um bonachão iconoclasta, e isso já se vê na primeira história, em que um fotógrafo norte-americano vai a Palomar em busca de imagens que revelem a beleza da inocência pobre e suja da América Latina.
É preciso enxergar a história no contexto: naquela época, Love & Rockets - e Palomar em especial - eram as queridinhas da América. Por todo o país, jornalistas, universitários e estudiosos proclamavam que a série era um marco graças à sua latinidade, que revelava uma verdade social sobre o Terceiro Mundo, termo que ainda estava em voga.
Daí vem Um americano em Palomar, em que o autor usa um fotógrafo que busca o exótico para representar seus leitores. E dá o recado: Palomar não é mera representação, não é objeto de estudo nem crítica social. A cidade ficcional de Love & Rockets existe, foi uma criação artística árdua e é pra valer.
Howard Miller, o tal fotógrafo, acaba expulso de Palomar por não entendê-la, por querer que ela entregue mais do que está disposta. Sua pobreza, bem como suas belíssimas mulheres, não é pornográfica. É para consumo interno, porque é o jeito de quem mora lá. A exploração comercial gratuita decretaria o fim - da cidade e da série.
A história vai encontrar eco em Por amor a Carmen, que encerra o álbum. Nela, o ponto de vista é de outro sujeito que vem de fora, Heráclio. Mas esse estrangeiro é, de fato, nativo, e acaba acolhido por Palomar e suas mulheres - Luba o desvirginou, Carmen virou sua esposa.
Heráclio é aceito, claro, é gente da terra e não busca a estranheza nas diferenças de lá.
Palomar, seu criador deixa claro, não é para qualquer um. A própria história que batiza o álbum reforça essa idéia: é caótica e visceral, a ponto de a chegada de uma bruxa que carrega a caveira do filho num saquinho ser completamente verossímil.
Os loucos anos 80 deram origem a muita bizarrice, mas poucas sobreviveram até hoje com dignidade. Love & Rockets é uma das raras exceções - assim como o diretor de cinema David Lynch, por sinal homenageado na página 112. Em pé e vigorosa até hoje, a série arrebata fãs por onde passa. Tomara que, nesse mundo de exceções, o Brasil não se torne uma, e possa acompanhar toda a trajetória da longa série.
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