PINÓQUIO
Editora: Globo - Edição especial
Autor: Winshluss (texto e arte) - Originalmente em Pinocchio.
Preço: R$ 75,00
Número de páginas: 184
Data de lançamento: Agosto de 2012
Sinopse
A lenda do boneco de madeira cujo nariz crescia ao mentir e que queria ser um menino de carne e osso é adaptada de maneira bastante livre.
Positivo/Negativo
Quando o italiano Carlo Collodi escreveu Pinóquio, em 1881, tinha em mente que ela seria uma obra de cunho educativo para o público infantil. A literatura específica para crianças ainda era uma certa novidade e a história foi publicada em capítulos em jornais até 1882. No ano seguinte, foi compilada e ampliada em um livro.
Naquela época, era importante para a Itália que se desenvolvesse a educação e o povo. Por isso, Collodi quis passar valiosas lições morais. Todas as infrações da conduta correta para uma criança são punidas: o nariz cresce quando mente, vira um burro por não ir à escola, apanha e passa fome porque não trabalha.
O clássico literário ganhou diversas releituras, uma muito conhecida na animação da Disney e outra na inserção do personagem no Sítio do Picapau Amarelo, por Monteiro Lobato. Ambas as obras têm uma preocupação muito similar à de Collodi: a doutrinação social das crianças.
Porém, outras obras, como o filme Inteligência artificial se interessou pelo tema mais metafísico: o de um boneco que quer ser humano. Mas o que é ser humano? O que é estar vivo?
Winshluss, quadrinhista e codiretor (ao lado de Marjane Satrapi) dos filmes Persépolis e Frango com ameixas, envereda em outra direção.
A obra ganhou o prêmio de Melhor Álbum em Angoulême, em 2009, e se inicia com um barril de material tóxico despejado no mar, contaminando um peixe. Em seguida, passa para um homem que conversa com um gato enquanto observa a vizinha pela janela. O Pinóquio só vem um pouco depois.
Todas essas tramas se encontram e se justificam dentro da estrutura do álbum, em um roteiro tão bem amarradinho que é de dar gosto de analisar. Todas sempre passam por momentos da obra de Collodi, mas sem se preocupar em reconstruir o teor do original, tanto que Winshluss faz um trabalho que não é direcionado ao público infantil. Há sexo, violência, sangue, cadáveres e aquilo que resta com mais força na cabeça do leitor ao fim da leitura: um mundo muito cruel e completamente desencantado.
Ou seja, esqueça o simpático personagem que anda pra lá e pra cá com um grilinho de fraque e cartola. Gepeto é um inventor que cria um autômato de guerra. Pinóquio é um robô para uso militar, uma máquina de destruição.
No entanto, um acidente envolvendo Jimmy, a barata, que ocupa a posição do Grilo Falante, dá-lhe consciência. Aqui, entretanto, Pinóquio não opta por ações incorretas e aprende com isso. O personagem é jogado para lá e para cá, pois não toma as decisões, todos os fatos se sucedem um ao outro sem o seu controle.
As múltiplas tramas que acabam cercando Pinóquio e preenchendo o livro são emolduradas em diversos estilos de desenho. Por vezes, a impressão é que se está diante de uma arte de underground americano; em outra, de páginas cômicas de jornais do começo do Século 20; em outra ainda, de quadrinho francês de humor, ou de pintura impressionista, de arte pop e até uma homenagem ao Superman, entre diversas outras técnicas.
Winshluss mostra que está disposto a ir tecnicamente aonde for preciso para mostrar sua visão da história. Ou melhor, mostrar sua visão do mundo por meio da história que optou por contar.
E a palavra que resume o espírito da obra é crueldade. Todos os personagens, com raras exceções agem de modo vil e em busca do próprio benefício, a despeito de quem é preciso passar por cima para conseguir algo.
A humanidade é cruel, hedonista e manipuladora - pode o leitor aí incluir também as baratas.
Já Pinóquio é uma máquina criada por um ser humano para exterminar com maior qualidade mais seres humanos. Mas Pinóquio não tem culpa disso, ele é assim.
A desconfiança com o humano é tamanha que, aqui, o robozinho não pretende se tornar um menino. E mesmo quando sua situação parece resolvida, ele não muda. Afinal, é uma máquina.
E essa elevação da crueldade tem como mira o enaltecimento da humanidade, pelo viés da crítica, da dúvida e do desmascaramento.
Ao mostrar sua leitura de Pinóquio, Winshluss mostra a força de uma obra de papel que se permite transformar em humana.
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