Quem matou João Ninguém?
Editora: Draco – Edição especial
Autores: Zé Wellington e Wagner Nogueira (roteiro), Wagner de Souza, Cloves Rodrigues, Ed Silva, Alex Lei e Rob Leon (arte).
Preço: R$ 29,90
Número de páginas: 120
Data de lançamento: Maio de 2014
Sinopse
Numa favela, cercados pelos conflitos entre o tráfico de drogas, ONGs e a polícia, os amigos João, Roberto, Sandro e Nina crescem, seguindo caminhos diferentes. Até que um violento assassinato desencadeia uma sequência de eventos que pode alterar a vida de toda a comunidade.
Positivo/Negativo
Fazer uma história para prestar homenagem aos quadrinhos de super-heróis foi o que uniu Zé Wellington e Wagner Nogueira, em 2006. Entre idas e vindas – discussões sobre roteiro e caracterização dos personagens, busca por desenhistas, repasse da verba da lei de fomento à cultura do Estado do Ceará –, foram quase oito anos para ver a graphic novel Quem matou João Ninguém? se materializar, com distribuição nacional feita pela Editora Draco.
É sabido que uma ideia necessita de um certo tempo de maturação para ganhar consistência, mas em um projeto que envolve uma equipe de sete membros é comum haver divergências criativas e todo o cuidado é pouco para o caldo não desandar.
Quem matou João Ninguém? tem muitos méritos, mas, em contrapartida, apresenta alguns problemas de roteiro.
Wellington e Nogueira acertaram na elaboração de uma multitrama repleta de metalinguagem, com um incidente incitante consistente, pontos de virada interessantes e homenagens aos heróis clássicos (além da menção ao Spirit dentro da trama, a abertura de cada capítulo com letreiros diferentes, também evoca o personagem de Will Eisner) e contemporâneos (Meia-Noite/Authority), bem como aos nacionais (Família Titã, de Gian Danton e Joe Benett, e Necronauta, de Danilo Beyruth).
A montagem das páginas também é outro ponto a ser destacado, pois a mistura entre fatos do passado e do presente traz mais elementos de suspense à trama.
No entanto, a construção de alguns personagens não ficou bem definida e influenciou nos deslizes do roteiro.
De cara, Roberto (quando criança) está muito bem vestido para ser um menino de rua, destoando dos demais, até mesmo de João, o único dos quatro amigos que mora com o pai.
Outro ponto estranho é o fato de João ter ido embora de casa e continuar vivendo na favela sem encontrar nenhum dos seus amigos, que embora tenham seguido caminhos distintos, também moravam no mesmo local. Tal qual seu pai, Tavão, que de bêbado e pedófilo, se torna o maior traficante do pedaço meio que do dia pra noite.
E o deslize mais preocupante diz respeito a Nina. De forma alguma fica clara a motivação da personagem, como se a atitude dela tivesse sido pensada apenas como ponto de virada climático e nada mais (nota-se uma certa dissimulação na garota quando de seu encontro “acidental” com João, mas seu gesto final não bate com a expressão em seu rosto, e o flashback mostrado nas páginas anteriores também não ajuda a esclarecer suas razões).
É justamente aqui que se percebe a falta que faz o estudo sério das técnicas de escrita de roteiro.
A construção das personagens é algo que requer bastante atenção e quanto mais detalhada for, melhor. Para uma multitrama, em que as subtramas compõem a história, isso é fundamental.
O roteirista tem obrigação de saber por que a personagem age de determinada forma, e deve ir deixando “pistas” de seu comportamento ao longo da trama.
Quem matou João Ninguém? poderia ter sido uma baita graphic novel, mas caiu na armadilha de achar que um final “surpreendente” por si só resolveria a parada, desconsiderando o conselho de Robert McKee sobre evitar a “surpresa barata” numa trama de suspense.
Classificação