SANDMAN APRESENTA - OS CAÇADORES DE SONHOS
Editora: Panini Comics - Edição especial
Autores: Neil Gaiman (texto), P. Craig Russell (arte) e Lovern Kindzierski (cores) - Publicado originalmente em Sandman - The dream hunters # 1 a # 4.
Preço: R$2 4,90
Número de páginas: 144
Data de lançamentoDezembro de 2011
Sinopse
Muito tempo atrás, no Japão, uma raposa e um texugo fizeram uma aposta. Quem conseguisse fazer um jovem monge abandonar seu templo, ficaria com a habitação.
Nenhum dos dois conseguiu seu intento, porém houve uma consequência inesperada: a raposa apaixonou-se pelo monge.
Ambos conviveram por um tempo, aceitando a impossibilidade de sua relação, apreciando a existência um do outro, mesmo que à distância.
Então, a raposa fez uma terrível descoberta, que mudaria sua vida e a do monge de maneira irreversível.
Positivo/Negativo
"Embora eu tenha escrito Sandman por quase uma década inteira, nunca cheguei a ler Sandman. E agora estava lendo".
A declaração é de Neil Gaiman, no posfácio de Sandman - Os caçadores de sonhos. A "estranha sensação de ler uma nova HQ" do personagem é um dos acertos felizes deste trabalho.
De fato, para os fãs do personagem, a impressão é de estar lendo uma edição perdida da série original. Isso se deve ao excelente trabalho de P. Craig Russell, que já tinha feito ótimas parcerias com Gaiman em histórias como Ramadã e Morte em Veneza, que se encontram em Sandman - Fábulas e Reflexões e Sandman - Noites sem fim, respectivamente.
Originalmente, o livro Os caçadores de sonhos foi publicado nos Estados Unidos em 1999, para comemorar os dez anos da revista Sandman. Não era uma história em quadrinhos, mas um conto escrito por Gaiman e ilustrado pelo japonês Yoshitaka Amano.
Mais dez anos se passaram até que P. Craig Russell fizesse a adaptação do conto para os quadrinhos.
Em sua longa carreira, o artista produziu numerosas HQs, sendo várias delas adaptações de obras literárias ou óperas. Por exemplo: Coraline, uma graphic novel baseada no livro homônimo do próprio Gaiman.
Não há novidade ou estranhamento na parceria de Gaiman e Russell, mas aqui os resultados são mais felizes do que poderia se esperar.
Por alguma razão, Os caçadores de sonhos parece funcionar melhor como HQ do que como conto. Sem desmerecer a versão original e a espetacular arte de Amano, há algo na trama, talvez seu ritmo, talvez seu apelo visual, que parece ser mais bem captado pela versão em quadrinhos.
A maior parte das palavras originais de Neil Gaiman foi utilizada em diálogos e na narração, exatamente como era no conto. Em muitos momentos, a arte de Russell retrata fielmente o que é descrito no roteiro. Transforma trechos inteiros em puras sequências visuais. Os detalhes de ações, olhares, gestos dos personagens são transpostos e representados com eficiência pelo desenho, sem a necessidade se serem reiterados pelo texto.
Desse modo, há um entrosamento maior entre a prosa e as imagens do que na versão original. A obra parece mais integrada do que o texto pontuado por ilustrações específicas.
Por mais belas e elaboradas que sejam as imagens de Amano, elas ainda representam momentos estáticos e isolados da narrativa. Em comparação, a arte de Russell é mais simples, porém a linguagem sequencial bem elaborada resulta em uma obra mais coesa.
Classificar o trabalho de Russell como "simples" não implica em diminuí-lo. Trata-se de um trabalho simples por utilizar apenas uma mídia: o traço em nanquim. Entretanto, a qualidade excepcional do desenho revela uma experiência de anos.
O controle do traço e das hachuras, o peso das áreas escuras, as soluções gráficas utilizadas para representação de árvores, animais e cenários demonstram um elaborado e sofisticado estilo que não se perde em excessos e, por isso, possui uma valiosa simplicidade.
As cores e a leve textura aplicadas por Lovern Kindzierski seguem o mesmo caminho e dispensam efeitos exagerados de gradientes e contrastes gritantes.
Por fim, o layout das páginas e a decupagem do texto original completam a lista de acertos de P. Craig Russell na elaboração da obra.
Quanto ao enredo, a série Sandman caracterizou-se pelo fantástico. Eram histórias centradas totalmente em narrativas e personagens fabulosos ou tramas que entremeavam elementos fantásticos com convincentes representações de pessoas reais e seu cotidiano.
Os caçadores de sonhos encaixa-se no primeiro tipo de história, mostrando um velho Japão onde animais falavam e sonhos podiam ser devorados por estranhas criaturas.
Como sempre, o grande diferencial de Sandman é justamente Neil Gaiman, com sua prosa, sua escolha de palavras e sua capacidade de criar e desenvolver situações com sensibilidade e inteligência.
O amor que nasce entre a raposa e o monge é crível e comovente, sem cair em pieguices. As reviravoltas e personagens que aparecem na trama, os conflitos, desfechos e consequências entretêm e fascinam o leitor, exatamente como histórias semelhantes fizeram no começo da década de 1990.
Trata-se de um episódio que pode ser lido e apreciado isoladamente, mas que ganha mais significado e graça quando relacionado aos outros capítulos de Sandman.
É interessante observar as aparições de velhos conhecidos do Sonhar, como Caim e Abel e as Três Bruxas, em traços diferentes, filtrados pela cultura nipônica. Essas versões culturais de personagens recorrentes eram outra característica da série original.
Enfim, Os caçadores de sonhos não se sustenta apenas pela nostalgia, mas justamente por apresentar todas as qualidades que consagraram Sandman como uma das mais memoráveis e bem contadas séries de quadrinhos de todos os tempos.
Faz mais de 15 anos que tudo acabou e é uma imensa satisfação rever, mesmo que brevemente, Lorde Morpheus atuando em uma das infinitas histórias que se escondem em seu manto.
Para os leitores mais novos e não familiarizados, talvez Os caçadores de sonhos seja a porta certa para entrar em um universo ficcional marcante e inesquecível.
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