SHORTCOMINGS
Autor: Adrian Tomine (texto e arte).
Preço: 12,99 libras
Número de páginas: 114
Data de lançamento: Setembro de 2007
Sinopse: Ben Tanaka é um jovem descendente de japoneses que trabalha como gerente de um cinema na região da Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos.
Suas origens não passam batidas. Pelo contrário: ele é todo encucado com questões raciais. Apesar de dividir a casa com sua namorada, a também nipônica Miko Hayashi, sente atração por moças caucasianas - e até compra DVDs eróticos estrelados por elas.
Mas Ben vai muito além de renegar a própria ascendência. Ele chega a demonstrar desprezo pelo festival de filmes asiático-americanos organizado por Miko.
Um dia, chega a notícia de que Miko ganhou uma bolsa de estudos em uma instituição de cinema em Nova York - e que precisará se mudar por quatro meses.
Ben resolve ficar. Ao lado da amiga Alice Kim, uma homossexual filha de coreanos tradicionais, tenta conhecer outras garotas.
Positivo/Negativo: Nos últimos anos, tornou-se comum grandes jornais, revistas e sites norte-americanos tratarem graphic novels como uma forma de literatura sofisticada, incluindo sempre um ou dois títulos entre suas listas de melhores livros do ano.
Geralmente não são HQs de super-heróis, gênero que domina o mercado de lá, e sim crias do cada vez mais movimentado cenário alternativo, liderado por editoras especializadas como Fantagraphics e First Second ou mesmo egressas do mercado literário, como a Pantheon.
Em 2007, a bola da vez foi justamente Shortcomings, lançada pela canadense Drawn and Quaterly, dona de um catálogo vigoroso, e aqui resenhada via a belíssima edição inglesa da Faber & Faber.
Havia motivos de sobra para o álbum chamar a atenção. O maior deles era justamente seu autor, Adrian Tomine, um jovem californiano nascido em 1974 e que, desde os anos 90, tem uma trajetória sempre ascendente. Seu fanzine Optic Nerve (reunido na coletânea 32 Stories) virou, ao longo dos anos, uma revista elogiada pela crítica especializada e que atraía leitores nem sempre muito afeitos à nona arte. As coletâneas (como Summer Blonde) eram aguardadas com ansiedade e sempre estavam nas listas de best-sellers da editora.
Na bem-sucedida carreira de Tomine, Shortcomings foi anunciado como uma prova de fogo. Pela primeira vez, ele ia se arriscar em uma narrativa que ultrapassaria o formato que o consagrou: os contos de vinte e poucas páginas de Optic Nerve. Havia quem duvidasse que o autor tivesse consistência para prolongar seus dramas existenciais juvenis.
Mas a verdade é que Tomine conseguiu. Shortcomings é muito mais que o lançamento mais cool da temporada passada. Comparando com gêneros literários, o autor saiu do tiro rápido dos contos para a fluidez desejável em uma novela. A história evolui: começa, avança, muda de rumo, apresenta novos personagens, muda de cidade, surpreende, inova e se renova dentro de si mesma.
Ben é mostrado não só como o ranzinza portador de dilemas raciais e sexuais. Tomine leva-o para vivenciar neura a neura, ranhetice a ranhetice, construindo e, ao mesmo tempo, revelando a profundidade do personagem que criou.
Não basta, afinal, que ele despreze o festival de filmes asiático-americanos. O protagonista tem que romper com a namorada e se envolver com a colega do cinema onde trabalha, descobrindo na jovem caucasiana uma performer que fotografa diariamente a primeira urina que sai de seu corpo ao acordar. Ou descobrir na jovem ex-amante da amiga lésbica uma garota que pode abandoná-lo.
Ao mesmo tempo em que é um primor de ficção, Shortcomings é profundamente realista. Tudo que passa por suas páginas é plausível, viável. Pode ser que o leitor nem sempre compartilhe do meio e das situações, até porque performers fascinadas por urina não brotam em qualquer canto, mas as emoções são comuns.
Não se trata, portanto, de uma obra de escapismo. Pelo contrário: o leitor se identifica e se projeta nos personagens. Se não pelas situações familiares, ao menos pelas emoções e sensações.
Outro ponto notável do realismo de Tomine, ainda que num pólo oposto das emoções, é a roupa de seus personagens. São peças que as pessoas de verdade usam, o que soa meio bobo, mas é fundamental em seu trabalho.
A moda desenhada é um campo que leitores e comentaristas de quadrinhos acabam se acostumando a ignorar. Mas a verdade é que as HQs estão lotadas de gente que combina calças vermelhas com suéter azul e suspensório verde - isso sem falar dos uniformes de super-heróis!
Mostrar roupas de verdade, que gente real usaria nas ruas, é um recurso que Tomine usa em seus quadrinhos para atestar que se trata de humanos mesmo. Pode até parecer futilidade, mas não é nada disso - o autor sabe que a verossimilhança passa pela moda.
É nesses detalhes, em sua arte delicada e cuidadosa, que Adrian Tomine se diferencia de seus pares. Por retratar gente (quase) de verdade, chama a atenção sincera de leitores em busca de algo além dos velhos clichês das HQs.
Tomine não é o único autor sincero dos quadrinhos, até porque o underground norte-americano está lotado de criadores assim. Mas é um dos melhores. 2007 foi o ano dele, e não foi por acaso. Shortcomings, de fato, é uma das maiores obras do ano que passou.
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