SINAL E RUÍDO
Editora: Conrad Editora - Edição especial
Autores: Neil Gaiman (roteiro), Dave McKean (arte) - Originalmente em Signal to noise.
Preço: R$ 49,90
Número de páginas: 96
Data de lançamento: Abril de 2011
Sinopse
Um diretor de cinema descobre que é doente em fase terminal. Isolado em seu apartamento, ele dedica os últimos dias de sua vida para escrever o roteiro de seu derradeiro filme.
Positivo/Negativo
A dupla Gaiman e McKean é velha conhecida dos fãs de quadrinhos por trabalhos como Sandman e Orquídea Negra. Os dois também obtiveram sucesso trabalhando em outras mídias.
Gaiman é autor de romances de fantasia e roteiros para cinema e televisão. McKean já dirigiu filmes, compôs músicas e produziu ilustrações para livros e capas de CDs de diversos artistas.
Os dois começaram suas carreiras produzindo quadrinhos e, entre o final da década de 1980 e o começo da seguinte, realizaram três álbuns que finalmente foram lançados no Brasil: Violent Cases, Sinal e ruído e Mr. Punch.
Os autores têm uma grande amizade e trabalham muito bem juntos. Entretanto, é interessante notar que cada um possui uma predileção por temas específicos que costumam abordar em suas obras individuais.
Neil Gaiman é o narrador, o contador de histórias que tanto aprecia as peripécias de deuses, fantasmas e personagens folclóricos quanto as incertas lembranças de família resgatadas da distante infância.
Dave McKean tem a produção criativa quase como uma crença pessoal. Em suas histórias, o leitor encontra diversas reflexões centradas nesse tema.
Dos três álbuns produzidos pela dupla, Sinal e ruído é o que mais pende para o "lado McKean". Não que Gaiman tenha menor influência na obra, mas percebe-se que o envolvimento do desenhista é especial.
Sinal e ruído fala sobre um diretor de cinema que se encontra na situação limite de ter seus meses de vida contados nos dedos de uma mão. Sem saber bem o que fazer com o tempo que lhe resta, ele decide dedicar-se à produção de seu último trabalho.
Trata-se do roteiro de um filme que fala sobre o fim do mundo. Na verdade, um fim simbólico, imaginário. Numa aldeia qualquer, as pessoas aguardam a meia-noite do último dia do ano de 999, certas de que o mundo acabará com a chegada do ano 1000.
A partir dessa ideia, isolado em seu apartamento, o diretor inicia seu trabalho. Durante o processo, depara-se com uma série de reflexões e dúvidas a respeito de decisões criativas, relações pessoais, resignação e morte.
A história imaginada pelo diretor passa a ter outro sentido quando comparada com os eventos ocorridos em sua vida. As razões, as dúvidas, o medo da própria morte vão moldando as escolhas do diretor e transparecendo em sua criação.
Nota-se que a elaboração desse roteiro e o seu processo de produção têm mais valor do que o filme em si. O caminho é mais importante do que o destino final.
O anonimato do protagonista é outra escolha de Gaiman e McKean. Ambos vivem em uma realidade de mercado na qual a autoria é tão importante que o nome do criador torna-se um selo de qualidade da obra. Ainda assim, esse diretor "famoso" não tem nome. Não interessa o seu nome, mas o seu trabalho.
O leitor mais atento pode perceber um erro no fato de os autores colocarem o fim do milênio no ano 999, quando, na realidade, o ano 1000 seria o último. Fica a dúvida se a dupla errou mesmo ou se foi uma opção consciente, por considerar o primeiro mais adequado e emblemático à história.
Há um trecho interessante que parece justificar esse aparente equívoco: quando o diretor pondera sobre usar ou não um relógio para marcar a meia-noite do último dia do ano. Acontece que os relógios com mostrador ainda não haviam sido inventados. Mas, sem relógio, a história perderia o sentido. Um “erro” pode ser adotado conscientemente pelo autor em benefício da história?
A questão do processo criativo cria um vínculo com os textos de apresentação do álbum. Dos cinco, três são de McKean. Um é de Gaiman e outro do escritor Jonathan Carroll.
Os textos de McKean explicam a trajetória da obra, sua publicação seriada na revista Face, as adaptações para teatro e rádio. O desenhista fornece informações sobre design e produção. Novamente destaca-se a preocupação com o fazer da história, com sua evolução e desdobramento.
McKean ainda justifica a inclusão de três histórias curtas que não possuem nenhuma ligação com a trama principal. Aliás, possuem, sim, como o próprio artista explica: produzidas na mesma época que Sinal e ruído, elas têm um contexto que as interliga. Estão vinculadas pela estética e pelo período em que surgiram na vida dos autores.
Apesar de apresentar todas essas ideias vinculadas à criação, Sinal e ruído ainda é, antes de tudo, uma triste história sobre a morte de um homem.
A melancólica solidão do diretor em seu apartamento destaca-se muito mais do que a alegria ou o transe de estar imerso em um processo de geração de ideias. A arte de McKean e o texto de Gaiman ressaltam ainda mais a resignação depressiva do personagem.
O álbum é uma ode ao espírito criativo, com uma fortíssima pegada de missa fúnebre.
Fecha a história um capítulo extra, chamado Milênio. Trata-se de uma adaptação para os quadrinhos de um texto de Neil Gaiman concebido especialmente para a adaptação para o rádio. Sim, é confuso. As mídias se intercalam, a trama não para de se desdobrar.
No meio de todo o caos, de todas as dúvidas e ansiedades, das informações válidas ou não, é construído um significado, um sentido. A partir de escolhas, de experiências e de um tempo limitado. De sinal e ruído.
O que importa é o processo.
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