Supergirl - Wings, com texto de J. M. DeMatteis é a aventura mais bonita e diferente que se poderia esperar da jovem heroína da DC Comics. No lugar do uniforme colorido da kryptoniana e de vilões mal-encarados, a trama envereda por um caminho pavimentado sobre noções de espiritualidade e filosofia, no qual o poder de uma oração exerce um resultado avassalador contra as forças do mal.

DeMatteis já havia trilhado um caminho parecido quando assumiu a revista mensal do Espectro, na fase em que o Espírito da Vingança era possuído por Hal Jordan, e tem no currículo diversas obras de teor mais reflexivo.

Este especial da Supergirl na linha Elseworlds (Túnel do Tempo, no Brasil) pode ser considerado uma de suas investidas mais honestas e vigorosas, e tem o mérito de não tentar impor as crenças pessoais do autor. Some-se a isso a boa arte de Jamie Tolagson, e tem-se uma história vencedora.

Para quem estranha uma abordagem tão pouco convencional para a Garota de Aço, vale lembrar que o roteirista tomou como base a série da Supergirl escrita por Peter David, na década de 1990. A heroína não era prima do Superman, mas uma garota problemática que foi mesclada à criatura de protomatéria do Universo Compacto - e, conforme se descobriu depois, era um anjo nascido na Terra.

Verdade que esses conceitos divergem muito da versão da heroína presente no imaginário coletivo, e logo foram esquecidos. Mas não se pode negar que renderam excelentes histórias, e Supergirl - Wings é uma delas.

Exemplos conhecidos da linha Elseworlds colocaram Batman na Guerra Civil dos Estados Unidos e na Revolução Francesa, resultando em tramas muito forçadas, mas a investida angelical de J. M. DeMatteis e Jamie Tolagson soa natural e coerente.

Mesmo nessa versão diferenciada do Universo DC, há lugar para figuras conhecidas como Zauriel, Vingador Fantasma e até Clark Kent, num papel que surpreende.

Veterano de revistas como Sr. Destino e Liga da Justiça Internacional, o roteirista conhece a fundo os personagens de natureza mística da DC, e nunca pareceu tão à vontade lidando com eles. Fica até a sensação de que poderia voltar a explorar essa Supergirl, mas dificilmente haverá uma continuação.

Enquanto diversos escritores carregam nos dramas políticos e na violência para caracterizar suas obras como "adultas" e "relevantes", DeMatteis apresenta histórias inspiradoras, que celebram o valor do ser humano e sua conexão com uma força maior, num contexto fantástico.

Tudo isso numa narrativa leve e envolvente, que não subestima a inteligência de seu público. Fãs de uma versão mais tradicional da Supergirl podem sair decepcionados, pois aqui não há nada de Kara Zor-El em ação. Mas quem aprecia abordagens diferenciadas tem tudo para apreciar essa viagem espirituosa.

A DC lançou pouquíssimas obras em sua linha de histórias alternativas nos últimos anos, evitando a saturação de tempos passados. Se novos Elseworlds surgirem, que sejam tão contundentes e inesperados quanto Supergirl - Wings.