Confins do Universo 216 - Editoras brasileiras # 6: Que Figura!
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Verões felizes – 1. Rumo ao sul!

20 outubro 2017

Verões felizes 1. Rumo ao sul!Editora: Sesi-SP – Edição especial

Autores: Zidrou (roteiro), Jordi Lafebre (arte e cores) e Mado Peña (cores) – Originalmente publicado em Les Beaux étés – 1. Cap au sud! (tradução de Fernando Paz).

Preço: R$ 38,00

Número de páginas: 64

Data de lançamento: Dezembro de 2016

Sinopse

Bélgica, agosto de 1973. A família Faldérault cumpre todos os anos o mesmo ritual: apesar do atraso de três dias, por causa das últimas páginas da sua HQ, Pierre, sua esposa e as quatro crianças partem a caminho do Sul para ter o sol das férias por testemunha.

Um mês inteiro para esquecer os afazeres do cotidiano, mesmo sabendo que existe uma crise conjugal, além de constantemente manter contato com a família por causa da grave doença da tia Lili.

Positivo/Negativo

"Esta série não tem brigas sangrentas nem complôs internacionais. Ela fala da vida, a vida real", resume a quarta capa de Verões Felizes, uma história que obriga o leitor a apreciar a beleza do comum durante sua leitura.

Isso pode parecer mais complexo do que se possa imaginar. Como atrair a atenção do leitor, fazê-lo avançar as suas páginas e frustrá-lo de tristeza porque chegou ao fim? Tudo isso apenas relatando uma habitual viagem em família de férias ao campo?

Pierre é um quadrinhista belga que ainda não encontrou o seu personagem ou série de sucesso. Não que não tenha tentado ou se esforçado, motivo pelo qual ele deixa a família em segundo plano enquanto está debruçado na sua prancheta. Mas também sabe mudar completamente o foco quando entra no seu apertado Renault 4L vermelho, para rumar ao Sul da França para veranear.

Sua esposa, Madô, está cansada de dedos, chulés, meias furadas e todo o pacote do "teste de Cinderela" da sua profissão de vendedora numa sapataria. Sem usar entrelinhas ou querer se justificar, algumas evidências lacrimais partidas dos olhos dela vão entrecortar momentos felizes e amargos por ser possivelmente o último verão em família, em virtude de uma série de desgastes, evidenciados ou não, nas páginas do álbum.

Isso porque o roteirista belga Zidrou e o desenhista espanhol Jordi Lafebre apenas colocam o leitor neste recorte, visto como uma recordação de um casal de velhinhos que arma sozinhos um piquenique no seu lugar preferido. Pistas vão deixar claras algumas características e situações, mas outras não, pelo menos a princípio, já que se trata do primeiro volume.

Um exemplo dessas entrelinhas está na dedicatória de uma foto no estúdio de Pierre, onde ele está abraçado com um senhor que é citado posteriormente como um quadrinhista de sucesso por Madô, afirmando que o protagonista é o seu "imitador predileto".

Em alguns momentos, essa realidade irá "assombrá-lo", seja numa breve parada para abastecer o carro, quando há um anúncio dos bonecos colecionáveis da animação Tintim e o Lago dos Tubarões, dirigida por Raymond Leblanc (1915-2008); ou numa tentadora parada na gibiteria para saber apenas que a vendedora conhece o título italiano Zagor e que desconhece a HQ da qual Pierre é o autor.

Voltando à jornada familiar, cada um dos filhos do casal tem sua peculiaridade: Louis tem como seu amigo imaginário um esquilo gigante que usa gorro (que é apresentado de forma inusitada); Nicole sempre entra em desavença com a irmã mais velha, Julie, e a pequena Paulette é cheia de energia e ainda está se entendendo com as palavras.

Até na capa o garoto não descola da sua revista favorita, Lucky Luke, famosa criação do belga Morris (1923-2001). Não é à toa que Louis é fã do caubói que dispara mais rápido do que a própria sombra, já que o gênero também foi explorado pelo seu pai, em mais uma tentativa frustrada de emplacar uma série.

Como as nuvens que acobertam os raios de sol, nem sempre "a grama do vizinho é mais verde". Do mesmo jeito que há rompantes violentos por a vida não seguir o curso que deseja (porém, descontados em momentos inoportunos), há também – mesmo na tragédia – espaço para se espremer a alegria.

Momentos que podem ser estranhos para os leitores brasileiros, do mesmo jeito que alguns franceses olham torto para os belgas ou que os belgas torcem o nariz para os holandeses que ocuparam seu lugar favorito. Tão esquisitos e prazerosos como comer batatas fritas com maionese, iguaria que também causa estranheza entre os norte-americanos, basta lembrar do discurso de apresentação de John Travolta em Pulp Fiction (1994), filme de Quentin Tarantino.

Em Verões Felizes, é mostrado que tudo na vida é passível de mudanças, basta acompanhar a trajetória da finalidade do "maior buquê de flores do mundo" colhido pelas crianças no campo.

A maturidade visual e expressiva de Lafebre acomoda os personagens nos quarinhos como se eles realmente fizessem parte desse universo. Eles se movem na mente de quem lê com toda a graciosidade de um desenho animado bem produzido e cheio de detalhes que emulam a realidade.

Zidrou e Lafebre podem até tocar levemente em nuances políticas, como a ditadura franquista na Espanha (que será explorada no próximo álbum), mas aqui não há espaço para entendimentos no tocante desses temas, ou no quanto pesa moralmente uma balela sobre insetos ser uma "armadilha" para demonstrar o lado egoísta familiar de ter suas férias no lugar de sempre. O que prevalece é o mistério e a magia da felicidade.

Com formato 23,5 x 31 cm (um pouco maior que os álbuns do Spirou que a Sesi-SP está lançando), capa cartonada com aplique de verniz, sem orelhas e papel couché de boa gramatura e impressão, a editora acaba de lançar o segundo volume, Verões felizes – 2. A Calanque, que se passa quatro anos antes dessas férias, em 1969. A francesa Dargaud Benelux já publicou a terceira parte na Europa, neste ano. Intitulada Les Beaux étés – 3. Mam'zelle Esterel, a trama volta mais ainda no tempo e se passa no ano de 1962.

Apesar de abraçar a simplificada cartilha europeia, a edição brasileira poderia acomodar uma breve biografia dos autores, cujos feitos são totalmente desconhecidos e inéditos por aqui.

Em suma, é totalmente desimportante se os Faldérault não são aquela família disfuncional da sua biografia em quadrinhos preferida ou que não tenha nenhum outro drama e crises peculiares para o leitor se afogar nas reflexões da imperfeição humana numa infinidade de recordatórios. A complexa simplicidade é que dá luz a essa grande obra, como retomar as férias por causa de uma pedra que não foi encontrada no caminho.

Classificação:

5,0

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