Este álbum é um híbrido em diversos aspectos. De imediato, com um pouco mais de informações (várias delas dadas na instrutiva orelha da publicação), sabe-se que se trata de um crossover entre teatro, cinema e quadrinhos, a partir da companhia paranaense Vigor Mortis.

O grupo foi criado por Paulo Biscaia Filho e se notabilizou em Curitiba por encenar peças inspiradas no Grand Guignol, teatro parisiense que, entre 1897 e 1962, especializou-se em espetáculos de horror. Depois de diversas encenações, Biscaia escreveu e dirigiu um filme para cinema (Morgue Story – Sangue, Baiacu & Quadrinhos) e, agora, enveredou pelas HQs, dividindo os roteiros com José Aguiar.

O universo de Vigor Mortis Comics tem em comum algumas das peças mais famosas de Biscaia. Para os roteiros, foram usados diversos personagens já apresentados nos palcos, que ganharam a roupagem de HQ sem que, para isso, o leitor precise necessariamente conhecer as criações originais. Muita criatividade e simpáticos textos de apresentação antes de cada trama garantem a coerência.

Os roteiristas conseguiram o difícil feito de bolar um mundo próprio. Daí vem outro híbrido de Vigor Mortis Comics: a variedade de estilos de narrativa. São oito pequenos contos que transitam entre escracho, terror, metalinguagem, mistério, suspense, aventura, romance e paranoia – tudo misturado e sem jamais perder o pique.

Como coroação, Biscaia e Aguiar terminam a HQ deixando claro ter pensado em tudo, para que o enredo, aparentemente desconexo e independente em cada trama, funcione como um inesperado ciclo. Ao fim, a vontade é retornar à primeira página e ler tudo novamente.

O trabalho de Vigor Mortis Comics se torna ainda mais especial graças aos desenhos impressionantes da dupla José Aguiar e DW Ribatski. Conterrâneos de Biscaia, os dois formam mais um híbrido do álbum. De estilos bastante diferentes, eles se agregaram completamente à proposta do roteirista, e a sensação é de que houve um forte senso de coautoria em todo o processo.

Aguiar mantém os traços reconhecíveis de obras marcantes como Quadrinhofilia e Ato 5, porém mergulhado nos tons de vermelho e nas possibilidades “horroríficas” proporcionadas pelo texto. Especialmente na história Ursula Unchained, é perceptível o impacto criativo que o desenhista impôs, desde o andamento narrativo até a disposição dos quadros nas páginas e a forma como eles dialogam com o clima retratado no conto.

DW, por sua vez, segue um estilo mais abstrato, o que igualmente casa muito bem com as viagens do roteirista. Não que o traço seja indefinido, longe disso: o que o artista faz é se libertar dos aspectos mais clichês de anatomia e bolar curvas e desenhos meio tortos, “errados”, o que diz bastante da condição do tipo de personagem que retrata (vide Oswald apaixonado, que abre o álbum). Quando ele se “encontra” com José Aguiar em A revanche do morto, há outro híbrido, com os três autores compartilhando a conclusão da publicação.

A caprichada edição é uma parceria entre a Quadrinhofilia Produções Artísticas, de José Aguiar, e a Zarabatana: tem papel couché, cores fortes, belíssimo acabamento e um ótimo material para além das histórias em questão (desde o prefácio de Paulo Biscaia até um posfácio sobre a Cia. Vigor Mortis, escrito por Fernada Baukat). O álbum teve incentivo da Lei de Mecenato Municipal de Curitiba, mostrando quanto o poder público é capaz de permitir voos imprescindíveis de artistas dos quadrinhos brasileiros.