Doutor Estranho e uma história em dois tempos
Em 1973, o então novato P. Craig Russell apresentou ao editor Roy Thomas, da Marvel, uma HQ com o Dr. Estranho.
Thomas gostou, mas o projeto ficou parado por três anos, até que o editor Marv Wolfman decidiu utilizá-lo num anual, publicado pela Marvel em 1976, com o título ...and there will be worlds anew!, com argumento e arte de Russell e roteiro de Wolfman.
No estilo da época, os recordatórios em primeira pessoa são recheados de metáforas, no caso, dos dramalhões amorosos afetados pelos problemas de trabalho que só mesmo um mago supremo poderia ter (quanto sofrimento!) – ele então namorava a personagem Clea, seu par romântico nessa fase.
Russell afirmou numa entrevista que o seu estilo de arte quando começou no ramo era influenciado principalmente por Barry Windsor-Smith, Bernie Wrightson, Will Eisner e Bernie Krigstein.
O que chama muita atenção nessa trama é a semelhança com o traço de Windsor-Smith, ainda que Russell já mostrasse a que veio.
A aventura foi publicada no Brasil na revista Heróis da TV # 60 (1984), da Editora Abril, com o título Num Reino Dourado. A feiticeira Lectra vem de um universo chamado Alter Cosmo e rapta Clea, com o intuito de atrair o Dr. Estranho para sua cidade, Allandra.
Depois de um grande embate místico, ela explica que a morte de seu mundo é iminente, e que tem a intenção de casar com o Dr. Estranho para evitar que isso ocorra.
Na verdade, a culpa da derrocada do local é da própria feiticeira, que enfeitiçou a irmã, com quem deveria compartilhar o poder, por ciúmes. O motivo: a paixão em comum pelo mesmo homem.
Por mais que tente, Estranho não consegue evitar a destruição do local e, no final da aventura, agradece por poder voltar ao seu lar e aos braços de sua amada (o rapto era um engodo).
Agora, confira nas imagens abaixo uma página original que localizei no Google e, ao lado, sua adaptação para a versão nacional, na extinta revista Heróis da TV.
Não é necessário ter grande fluência do inglês para notar que é praticamente outra história. Mais que isso: neste e em outros trechos, a HQ foi praticamente reescrita pelos editores da época. Mesmo sabendo que o formatinho implicava numa redução de texto, quase podemos chamar isto de “trabalho inédito”.
Com o passar dos anos, Russell decidiu que queria refazer e publicar novamente a HQ, o que finalmente ocorreu em 1996, com o editor Bob Harras. Ele redesenhou e reescreveu a aventura inteira, com o título O que é que está te perturbando, Stephen?, publicada no Brasil em 1997, pela editora Metal Pesado, em formato americano e respeitando mais o texto original.
Como era de se esperar, o passar dos anos fez muito bem ao trabalho do artista, que com seu belo, inconfundível e original estilo recontou em painéis incríveis toda a trama, mantendo a essência, mas melhorando boa parte dela, não só na arte, como no roteiro, menos melodramático e com algumas correções.
Dessa vez, Wong é o sequestrado, e novamente Estranho parte em direção a um novo plano, aqui chamado de Ditkopolis. Lá, ele tem que enfrentar a alucinada feiticeira Electra, e se vê em meio a um triângulo amoroso, com o inevitável final trágico.
Curiosamente, Russell afirma que desde a primeira versão tinha vontade de desenhar a cidade literalmente caindo sobre a feiticeira louca, dessa vez tendo seu desejo realizado. E brinca que gostaria de ter realizado um casamento “maluco” entre o mago e a feiticeira. “Talvez na versão de 2016”, escreveu o autor. Para sorte (ou azar) do mago supremo, nada do casamento até o momento – se ele ocorrerá ou não, só perguntando para o Olho de Agamotto.
Marcelo Naranjo sabe que os formatinhos de super-heróis da Editora Abril mudavam e muito as HQs originais. Mas não vai se desfazer deles nem sob as ordens do Eterno Vishanti. Quem esse povo místico pensa que é?