Demolidor mantém a qualidade na segunda temporada
O Justiceiro e seus inimigos
Frank Castle, o Justiceiro, já estrelou três filmes, nenhum com produção da Marvel. A série da Netflix é a primeira aparição do vigilante num produto de cinema ou TV da "Casa das Ideias", desde que a empresa readquiriu os direitos de adaptação do personagem.
Jon Bernthal, de The Walking Dead e Corações de ferro, foi o escolhido para interpretar o anti-herói. Foi uma decisão acertada. O ator empresta o jeito rude e a selvageria necessários ao personagem, mas sem perder a complexidade emocional.
O Justiceiro foi criado por Gerry Conway, John Romita (o pai de John Romita Jr. e idealizador do visual do personagem) e Ross Andru (o primeiro artista a ilustrar uma HQ com Frank Castle), na revista do Homem-Aranha (The Amazing Spider-Man # 129), em fevereiro de 1974. Seu nome de batismo era Francis Castiglione.
Quem transformou o personagem num ícone foi Steven Grant, na minissérie The Punisher, de 1986, ilustrada por Mick Zeck.
Na década de 1990, num dos picos de sua popularidade, o Justiceiro chegou a ter cinco revistas (The Punisher, The Punisher War Journal, The Punisher War Zone, The Punisher Armory e The Punisher Magazine) além de especiais, minisséries, participações em outros títulos e graphic novels.
Depois de um período fraco – que coincide com a ruptura da bolha do colecionismo estadunidense, na segunda metade da década de 1990, e com a falência da Marvel Comics –, o Justiceiro ressurgiu no selo Marvel Knights, atuando ao lado do Demolidor e outros heróis mais "de rua". Seu melhor momento no início dos anos de 2000, quando Garth Ennis assumiu o título, cujas capas era ilustradas por Tim Bradstreet.
A fase de Ennis foi tão popular que o atirador de elite dos SEALs (a tropa de elite naval dos Estados Unidos) Chris Kyle (cuja biografia foi adaptada no filme Sniper Americano, de 2014), admitiu que sua unidade usava a caveira do Justiceiro como emblema, no Iraque.
O conceito do Justiceiro foi fortemente influenciado pelos livros de aventura escritos por Don Pendleton, cujo personagem Mack Bolan, o Executor, era um veterano do Vietnã e fazia guerra contra os criminosos. Sua primeira aventura se chama Guerra contra a Máfia e foi publicada em 1969. Muitas dessas obras foram lançados no Brasil na década de 1980.
Outro livro que serviu de influência foi Desejo de Matar (Death Wish), de Brian Garfield, de 1972 – embora a adaptação para o cinema, Desejo de Matar, estrelada por Charles Bronson, seja posterior a estreia de Frank Castle, chegando aos cinemas em de julho 1974. E, para finalizar, a película Dirty Harry – Perseguidor Implacável (1971), com Clint Eastwood.
Nos primeiros quatro episódios, existe um guerra na Cozinha do Inferno para ocupar o espaço deixado por Wilson Fisk e dos grupos que estavam associados a ele – os russos, a Yakuza e a tríade de Madame Gao –, após sua queda. O conflito será exacerbado pelo Justiceiro e, posteriormente, pelo Demolidor.
Dentre as organizações criminosas que tentam ocupar esse vazio, estão um cartel mexicano, uma gangue de motoqueiros conhecida como Cães do Inferno (Dogs of Hell) e um sindicato de criminosos irlandeses (que na vida real era um poderoso sindicato do crime, justamente da Cozinha do Inferno). O espectador descobrirá que os três grupos estão envolvidos no incidente trágico que resulta na criação do Justiceiro.
Embora o Demolidor ocasionalmente enfrente motoqueiros e traficantes, ele está mais acostumado a combater organizações criminosas como as de Fisk, a Hidra etc. Os criminosos apresentados nos primeiros episódios dessa temporada são mais representativos das histórias de Castle.
Do sindicado irlandês, três pessoas se destacam: Nesbitt, Finn Cooley e Grotto.
Nesbitt, interpretado por Andy Murray, está presente no primeiro episódio. Ele foi criado por Garth Ennis e Leandro Fernández, em 2004, na revista The Punisher (Vol. 6.) # 8. Ele tem planos para estabelecer um domínio dos irlandeses no bairro e reúne 15 colegas, no Burren Club, para eliminar aqueles que colaboraram com Wilson Fisk e iniciar sua conquista.
O Justiceiro interrompe o discurso com uma metralhadora – embora o espectador não o veja nesta cena. Só se salvarão Grotto e o cachorro pittbull dos irlandeses.
O cachorro em questão ficará com o Justiceiro, é uma referência a Max, o cão do personagem em algumas histórias da década de 1990. Ele será visto em outras três cenas.
Finn Cooley só aparecerá no quarto episódio. Seu papel ficou nas mãos de Tony Curran. Nos quadrinhos, o personagem surgiu em 2004, em Punisher (Vol. 6.) # 7, uma HQ de Ennis e Fernández. Sua aparência era bastante diferente, a maior parte de seu rosto estava deformada e sem pele, resultado de uma explosão. Ele é brutal.
Assim que chega a Nova York, no quarto episódio, durante o velório irlandês, ele não perde tempo em estabelecer sua supremacia, matando um de seus colegas. Cooley tem dois objetivos: recuperar o dinheiro que lhe roubaram – uma maleta que estava na mão decepada de um dos irlandeses, no primeiro episódio – e vingar a morte de seu filho, uma das vítimas do Justiceiro.
Inspirados pelo novo líder, os irlandeses espalham terror no bairro, em busca de informações e acabam descobrindo um dos esconderijos de Castle (que também foi encontrado pelo Demolidor). Eles não acham o dinheiro, mas levam o cachorro de volta. Cooley encontra um mapa com uma foto sobre o Central Park. Ele sabe o que aconteceu no parque e "entende" quem é o Justiceiro.
Em sua arrogância, Cooley não percebe que ele é a vítima, e que Castle se oferece como isca para ser capturado – e até torturado com uma furadeira. O confronto terminará com as mortes do criminoso e de outros irlandeses e a captura do Justiceiro pela polícia, com uma enorme ajuda do Demolidor.
Já Grotto, papel de McCaleb Burnett, é uma criação de Frank Miller. Ele apareceu pela primeira vez em Daredevil # 168, de 1981. Curiosamente, foi nessa HQ que também surgiu Elektra. Nos quadrinhos, ele é um criminoso de segunda categoria, colega de Tucão (Turk Barrett, interpretado por Rob Morgan), que está sempre fazendo bobagens e apanhando do Demolidor. Grotto nunca teve um contato maior com Murdock, Nelson ou Page. No seriado, contudo, será uma peça importante na trama por alguns episódios.
Único sobrevivente do massacre do Burren Club, Grotto está ferido e desesperado. Ele procura os advogados Nelson e Murdock no bar da Josie – uma tradicional referência aos quadrinhos, que já havia aparecido na primeira temporada –, em busca de ajuda legal para se entregar à polícia e conseguir proteção.
Nas HQs, Grotto é um frequentador tradicional do bar da Josie, junto com Tucão. O cenário do local é filmado no Turkey's Nest Tavern, no Brooklyn, em Nova York.
Na conversa com os advogados, Grotto descreve o massacre dos 15 irlandeses, no Burren Club, como uma "Zona de Guerra", War Zone, em inglês, que é o título da terceira revista do Justiceiro e também de seu terceiro filme.
A frase voltará a ser usada para descrever os massacres perpetrados por Castle durante seu julgamento, no sétimo episódio. O criminoso desmaia devido aos seus ferimentos e é levado para o hospital Metro-General.
Segundo Grotto, o endereço do clube fica no cruzamento das ruas 47 e 10. Durante a primeira temporada, um enorme cartaz divulgando a série, ilustrado por Joe Quesada, estava afixado nesse local.
É justamente no Hospital Metro-General, que o espectador vê pela primeira vez o Justiceiro. Ele está tentando matar Grotto, e aparentemente pondo em risco diversas pessoas inocentes, inclusive Karen Page, que ajuda na fuga do irlandês. Eles são perseguidos pelo anti-herói, que está atirando no carro do alto de um telhado. Grotto só não morre devido a uma intervenção do Demolidor.
Grotto serve como fio da meada para introduzir a promotora Samantha Reyes, interpretada por Michelle Hurd. A personagem também atuou na série Jessica Jones. Ela está acompanhada por seu assistente, Blake Tower (papel de Stephen Rider), que surgiu nos quadrinhos em Daredevil # 124, numa aventura de Marv Wolfman e Bob Brown. Ele costuma ajudar o Demolidor.
Um dos momentos mais interessantes com Grotto acontece no terceiro episódio, inspirado numa história de Garth Ennis e Steve Dillon, publicada em The Punisher (Vol. 5) # 3. No telhado de um prédio que fica de frente para a sede dos cães do inferno, o Justiceiro mantém o Demolidor acorrentado com uma arma em sua mão. Murdock será forçado a fazer uma escolha: matar Grotto ou Castle – para impedir que ele atire no bandido.
O Demolidor opta por atirar em suas correntes para se soltar, mas não consegue evitar que Castle mate Grotto com um tiro no peito. Nas HQs, ele tenta dar um tiro no Justiceiro, mas a arma não funciona, pois estava sem a agulha de disparo.
A referência mais importante sobre os Cães do Inferno não está ligada aos quadrinhos, mas ao seriado Agentes da S.H.I.E.L.D.. Eles apareceram no episódio 15 da primeira temporada, que também traz participações das asgardianas Sif e Lorelei.
No primeiro episódio desta segunda temporada de Demolidor, Foggy Nelson visita os Cães do Inferno, em busca de mais informações sobre o que está acontecendo no bairro, e quase é morto com um tiro na cabeça. Ele conhece um dos motoqueiros, Smitty, com quem estudou na terceira série.
Achando que vai morrer nas mãos dos Cães do Inferno, Foggy menciona diversos nomes de motoqueiros: Foster, Ricky Wex e Pope. Foster é um sobrenome comum no Universo Marvel. Dois personagens proeminentes que o têm são Jane Foster (atualmente mais conhecida como Thor) e o Dr. William "Bill" Foster, o Golias Negro. Nas HQs, Bill Foster, antes de morrer na primeira Guerra Civil, foi casado com a enfermeira Claire Temple, como veremos adiante.
Foggy é salvo pela menção a Pope, e descobre que Smitty – que também fez uma pequena aparição nos quadrinhos – foi assassinado numa emboscada (realizada pelo Justiceiro).
O Justiceiro enfrenta os Cães do Inferno três vezes. A primeira é mencionada pela polícia e no episódio com Foggy – envolvendo a morte de Smitty; a segunda acontece num desmanche de carros, quando o vigilante ataca alguns membros da gangue e rouba um caminhão que usará para frustrar a armadilha preparada pela polícia e a promotora Reyes; e a terceira é um longo combate no final do terceiro episódio, após a morte de Grotto.
Castle se aproveita da distração do herói e dispara um granada contra a sede dos Cães do Inferno – para quem o vigilante preparou uma emboscada –, iniciando uma sequência de luta que dura quase dez minutos, entre o Justiceiro, o Demolidor e os motoqueiros. Ao término do combate, o anti-herói escapou. A sequência é reminiscente do confronto com os russos na primeira temporada, quando Murdock vai salvar o menino sequestrado.
Outra curiosidade é que a música ambiente da cena em que a gangue se arma (para enfrentar quem quer que seja que explodiu suas motos) é Ace of Spades (Ás de Espadas), da banda Motorhead, uma possível referência ao Mercenário (Bullseye), o grande inimigo do Demolidor nos quadrinhos.
Pode não ser uma referência ao personagem, mas na primeira temporada a produção também mostrou justamente um ás de espadas, a carta favorita do Mercenário. Apesar disso, não existe nenhuma outra indicação do vilão nos 26 episódios já exibidos de Demolidor.
O cartel mexicano tem uma participação pequena na história. O Demolidor encontra vários traficantes num açougue que funciona de base para a organização. Eles foram empalados em ganchos, com as barrigas cortadas. Um deles ainda está vivo e revela que o conflito no bairro não é responsabilidade de uma nova organização criminosa matando a concorrência, mas de apenas um homem.
Para quem está estranhando a ausência da máfia italiana – uma forte presença nos gibis do Justiceiro –, a primeira temporada do Demolidor deixa claro que seus integrantes abandonaram Nova York nas mãos de Wilson Fisk e sua coalizão de bandidos.
Nos quadrinhos, a história dos confrontos entre o Justiceiro e o Demolidor começa em Daredevil # 183 e # 184, num arco escrito e ilustrado por Frank Miller envolvendo traficantes de drogas.
Na TV, o primeiro encontro ocorre num telhado. O Justiceiro está perseguindo Grotto e Karen Page. Quando eles fogem do hospital, num carro, Castle sobe num prédio próximo e atira no veículo com um rifle. Grotto só não tem sua cabeça varada por uma bala graças a uma intervenção do Demolidor.
Nesse primeiro contato, Castle leva a melhor, dando um tiro na cabeça de Murdock. Se não fosse pela máscara reforçada (uma espécie de elmo ou capacete), o Demônio da Cozinha do Inferno estaria morto. Num episódio posterior, Melvin Potter levanta a possibilidade de que o Justiceiro atirou propositadamente num ponto exato da máscara – uma alusão ao fato de que Castle é um atirador de elite –, pois alguns centímetros para um lado ou outro e Matt Murdock estaria num caixão.
Existem várias cenas como esta nos quadrinhos, mas a versão da TV é baseada em Daredevil # 183, na qual eles lutam num telhado – o Justiceiro está batendo num criminoso e o Demolidor intervém e toma um tiro na barriga (era uma bala tranquilizante).
Esse tiro na cabeça vai deixar Murdock com uma concussão que afetará os seus poderes, algo que aconteceu algumas vezes nos gibis – duas delas na fase de Frank Miller, em Daredevil # 177 e # 183 –, embora as cenas do episódio não sejam referências diretas a elas. Por algum tempo, sua audição ficará mais sensível, a ponto de lhe causar dor e tonturas, e ele ficará surdo – e, portanto, completamente cego, sem os seus outros sentidos, por algumas horas.
Nos quadrinhos e na TV, o Demolidor e o Justiceiro costumam ser inimigos e apenas ocasionalmente se tornam aliados – e o mesmo acontecerá no seriado. A divergência entre eles está relacionada aos métodos de cada um.
Os dois são vigilantes, agindo fora da lei. A diferença é que Matt Murdock usa o vigilantismo para punir aqueles que escapam do braço da justiça, mas sem cruzar a linha do homicídio. Castle tem um ponto de vista mais radical. Para ele, não existem meias medidas. O crime e a corrupção de Nova York só podem ser combatidos com o extermínio dos responsáveis.
A discussão desse tema entre os dois acontecerá algumas vezes. Aliás, o método dos vigilantes permeia várias das conversas entre os principais personagens.
Tentando localizar o Justiceiro, Murdock vista a cena do massacre do Burren Club, onde descobre uma trilha de sangue e o sumiço do cachorro. Seguindo esse rastro, ele encontra um dos esconderijos de Castle, que agora possuiu um já mencionado cão de guarda. O lugar está repleto de armas (carabinas, fuzis de assalto, uma pesada metralhadora rotatória etc.), munições, granadas, explosivos e outros equipamentos militares. Essa pista vai levar ao segundo combate entre eles, no alto de uma caixa d'água.
O confronto envolve também a polícia, que armou uma cilada para Castle – que já sabia e estava preparado. Mais uma vez, o Demolidor leva a pior e é capturado pelo Justiceiro, na já citada cena em que ele é acorrentado no telhado de um prédio diante da sede dos Cães do Inferno.
Isolados no telhado, os dois conversam sobre diversos assuntos, enquanto Castle cuida de seus ferimentos. A discussão progride e ele passa a fazer outras tarefas, organizando material bélico para uma emboscada. O Justiceiro revela que é nova-iorquino, católico e até fala de seu passado como militar.
O ponto mais importante dessa discussão é mostrar a diferença entre os dois vigilantes, as nuances entre o certo e o errado, entre herói e soldado. Eles também conversam sobre perda e essa é a primeira indicação, no seriado, de que Castle sofreu uma terrível tragédia.
A dupla é interrompida pelo síndico do prédio, que sobe ao telhado por causa do barulho e tem uma conversa com Frank Castle. Alguns fatos foram modificados, mas nada que altere o conceito do Justiceiro. Ele não é mais um veterano do Vietnã, mas do Iraque e do Afeganistão – o mesmo recurso foi utilizado com o Homem de Ferro, no cinema.
Curiosamente, o síndico é um veterano da guerra do Vietnã e, mais do que isso, combateu com a terceira divisão dos Marines (The Fighting 3rd), a mesma unidade na qual Frank Castle serviu nos quadrinhos durante seu tempo no Sudeste asiático.