Resenha: Birdman mostra luta de ator para se desvincular de papel de super-herói
No início da década de 1990, o ator Riggan Thomas (Michael Keaton) interpretou o super-herói Birdman nos cinemas, fazendo com que tivesse fama e dinheiro. Viver esse icônico personagem foi o auge de sua carreira.
Mas o tempo passa.
Pouco mais de 20 anos depois, Riggan é um veterano artista que tenta provar seu talento e voltar a ser admirado, enquanto ainda está preso ao herói pelo qual é lembrado pelo grande público. Em uma indústria em que filmes de super-heróis são cada vez mais populares e movimentando grande quantidade de dinheiro, Birdman é uma sombra do passado que não o deixa em paz.
Para reerguer a carreira, decide escrever, produzir, dirigir e estrelar uma peça de teatro na Broadway. Tendo que lidar com dificuldades financeiras, dramas familiares com a filha Sam (Emma Stone), gerenciar um conturbado elenco e enfrentar uma crítica voraz, Riggan tem um desafio grande pela frente.
Um desafio que não deixa nem ele mesmo diferenciar a realidade da ficção.
Birdman é uma comédia de humor negro que se aproveita da explosão de filmes de super-heróis neste século para usar o tema de uma maneira inédita até então, mostrando o outro lado dessas superproduções. Mas, ao mesmo tempo, um conflito pessoal que pessoas de qualquer área profissional podem passar: o desejo de voltar ao topo para confirmar sua excelência e polivalência.
Muitos atores passam a vida tentando fugir de um perfil específico, muitas vezes sem sucesso. Christopher Reeve, por exemplo, por mais que tentasse, jamais conseguiu se desvencilhar do Superman. Os norte-americanos possuem uma denominação para isso: typecast.
O filme, de baixo orçamento (estimado em torno de US$ 18 milhões), acerta em manter a trama de maneira intimista e levar o espectador para dentro da mente do protagonista, compartilhando seus medos e angústias. Em diversos momentos presenciamos suas discussões com o alter-ego heroico e somos levados pelo roteiro a questionar se ele está delirando ou realmente possui algo especial.
E isso é reforçado pela fotografia, muitas vezes claustrofóbica. A decisão em filmar a história com longos planos-sequência nos dá a oportunidade de “fazer parte” do filme, seguindo os personagens, acompanhando suas reações e ficarmos íntimos de cada um deles, de maneira a causar um impacto maior.
Ao decidir não usar cortes (eles existem, claro, mas são bem menos que o normal e estão camuflados durante a projeção), o diretor Alejandro Iñarrítu precisa saber exatamente o que extrair dos atores, pois erros não podem ser escondidos. A cena inteira precisaria ser refeita. Certamente, foram feitos ensaios com todo o elenco para isso ser minimizado ao máximo no momento das gravações.
O resultado desses ensaios salta à tela com um afinado elenco e ótimas interpretações, principalmente de Michael Keaton e Edward Norton.
Por falar em Keaton, sua escolha para o papel não foi ao acaso. Em um exercício muito curioso de metalinguagem, a história de Riggan Thomas encontra paralelos na vida real do ator, que interpretou Batman (muito parecido com o nome do super-herói criado para o filme, Birdman) em dois longas-metragens: Batman (1989) e Batman - O Retorno (1992).
Esse período foi, sem dúvidas, o auge de sua carreira e popularidade.
Várias referências aparecem. Até mesmo o ano do segundo filme é mencionado, quando Riggan é colocado contra a parede pelo seu advogado e coprodutor Jake (Zach Galifianakis): “Não estamos mais em 1992”.
Após o clímax, na última cena, as próprias ataduras no rosto de Keaton lembram a máscara do Cavaleiro das Trevas.
Um filme com tantos diferenciais não poderia ter um final comum. O desfecho ambíguo é aberto a interpretações, que podem ser igualmente válidas dependendo de como o espectador acompanhou a trama. Um duro choque de realidade ou uma feliz ficção fantasiosa.
Birdman ou (A inesperada virtude da ignorância)
Duração: 119 minutos
Estúdio: Fox Searchlight
Direção: Alejandro G. Iñárritu
Roteiro: Alejandro G. Iñárritu, Nicolás Giacobone, Alexander Dinelaris e Armando Bo
Elenco: Michael Keaton, Emma Stone, Zach Galifianakis, Naomi Watts, Edward Norton, Amy Ryan e Andrea Riseborough.