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Crítica: A Marvel põe um pé fora da caixa com Eternos

10 novembro 2021

Chloé Zhao, a diretora de Eternos, disse em uma entrevista que o desafio era “como capturar momentos tão épicos e tão íntimos ao mesmo tempo?”. Tarefa ingrata e difícil, à qual ela encarou com afinco, trazendo seu talento e visão para o 26º filme do Universo Marvel Cinematográfico, com suas amplas tomadas da natureza e relacionamentos próximos.

Um épico com trama milenar, o filme gira em torno de dez Eternos, seres criados pelo Celestial Arishem (voz de David Kaye). Tal informação aparece em um texto na abertura, evidenciando uma obra densa, que precisa de informações estabelecidas logo no começo. Abordar História da humanidade, relacionamentos complexos entre dez pessoas distintas e mitologia cósmica resulta num longa inchado, mas competente.

Com duas horas e trinta e sete minutos, só não é tão longo quanto Vingadores – Ultimato, e tamanha duração é necessária para abordar tantos temas. Os dez Eternos chegam na Terra no ano 5000 antes de Cristo, com a incumbência de proteger a humanidade dos Deviantes – monstros de visual genérico –, mas não interferir em outros conflitos, explicando o porquê de não estarem presentes na luta contra Thanos, por exemplo.

Com o filme se passando nos dias atuais, os 7 mil anos foram repletos de acontecimentos que testaram a resiliência e dedicação do time.

Liderados por Ajak (Salma Hayek), Druig (Barry Keoghan), Makkari (Lauren Ridloff), Phastos (Brian Tyree Henry), Duende (Lia McHugh), Kingo (Kumail Nanjiani) Gilgamesh (Ma Dong-seok), Thena (Angelina Jolie), Ikaris (Richard Madden) e Sersi (Gemma Chan) têm poderes diferentes e relacionamentos complicados entre si.

O tamanho do elenco já impressiona e dá a noção do desafio hercúleo de fazer com que todos tenham destaque, e cabem elogios aqui. Ao subir dos créditos, o espectador sabe sobre a personalidade de cada um, além de suas motivações e falhas. Há conflitos sobre pontos de vista distintos que entram em rota de colisão, mas fica a sensação de que falta um certo clímax e nem todos resultam no peso emocional que prometiam.

Há uma história de amor entre Sersi e Ikaris, amantes por séculos, mas atualmente separados. Ela agora namora Dave Whitman (Kit Harington), mas fica claro que os sentimentos entre os dois Eternos ainda existem. Soma-se a isso o dilema de Duende, presa no corpo de uma adolescente de 12 anos e sem perspectiva de romance recíproco, e tem-se um inusitado quadrado amoroso. É uma pena que a química entre Chan e Madden não seja das melhores, com seu envolvimento sendo mais contado do que mostrado.

Entretanto, o tempo restante é bem dividido entre os outros Eternos. E funciona. Há devoção e carinho entre Gilgamesh e Thena – que sofre de um tipo de transtorno de identidade; frustração e indignação em Druig, inconformado por não poder ajudar como gostaria; decepção e esperança em Phastos, esta reencontrada com sua nova família terrena; e em Kingo há nada além de diversão, aproveitando sua estada na Terra para ser astro de filmes de Bollywood (seu papel de alívio cômico, todavia, destoa).

É o elenco mais diversificado da Marvel, e isso vai além de apenas representatividade. Durante os milênios, eles aprendem a amar a humanidade, que, quem diria, é diversa. Há pessoas de variadas origens, nacionalidades, cores de pele, orientações sexuais e índoles. Para os Eternos, encontrar semelhantes diferenças nesta nova raça é algo que destaca o valor que esta passou a ter para eles, pois nela se enxergam.

E já que há representatividade, este filme é um belo passo na direção certa. Makkari é surda e ela e seus companheiros se comunicam por linguagem de sinais com naturalidade; e Phastos protagoniza o primeiro beijo gay do estúdio, advindo da genuína afeição de seu marido. Não há insinuação sexual, apenas amor.

Se Eternos cresce como obra ao lidar com seus personagens-título, o mesmo não pode ser dito dos Deviantes. Um deles ganha destaque para ser a figura principal desta ameaça, mas acaba perdido em um roteiro que já transborda de histórias para serem contadas.

Além desse problema, o transtorno de Thena não rende emocionalmente um décimo do que poderia. Ambos são apenas alguns exemplos de elementos que deixam no ar a sensação de que não precisavam estar no filme. Sem contar que alguns efeitos especiais – e perucas – não colam.

A mitologia cósmica é interessante demais para ser narrada basicamente com exposição, mas é aí que o talento de Zhao aparece. Com cenários e paisagens grandiosas, a sensação do enorme escopo visual espelha esta longa trama, oferecendo um belo casamento entre o talento da diretora e os visuais inspirados em Jack Kirby (criador dos Eternos e dos Celestiais).

É impossível não se embasbacar com a plasticidade imagética em tela, seja com a vastidão de belos horizontes naturais que emolduram a ação, ou com a opulente imensidão da presença de deidades cósmicas.

A Marvel merece reconhecimento em produzir um filme que oferece uma experiência narrativa com um pé fora da caixa do que o estúdio se acostumou a fazer. E acerta ao trazer uma diretora talentosa para entregar uma obra que precisava apresentar tantos personagens em uma história tão longa de uma vez só.

Eternos é digno de elogios pela sua grandiosidade, mesmo escorregando no tamanho da própria proposta, resultando num roteiro inchado e com algumas resoluções convenientes demais para serem críveis. Entretanto, estes seres espaciais com visuais tão semelhantes ao de terráqueos cativam por terem similaridades em seus complexos dramas familiares e sentimentos humanos. Apesar de terem sido feitos para não evoluir, o fazem por se reconhecer em nós e, assim, reconhecemo-nos neles.

Esse espelho transforma suas jornadas evolutivas em fascinantes exemplos que podem ser seguidos, dando a sensação de que qualquer um também pode melhorar. Tal inspiração é, eternamente, marca de grandes heróis.

Ah, e há duas cenas pós-créditos.

Eternos
Duração: 157 minutos
Estúdio: Marvel Studios
Direção: Chloé Zhao
Roteiro: Chloé Zhao, Patrick Burleigh, Ryan Firpo, Kaz Firpo
Elenco: Gemma Chan, Richard Madden, Angelina Jolie, Salma Hayek, Kit Harington, Kumail Nanjiani, Lia McHugh, Brian Tyree Henry, Lauren Ridloff, Barry Keoghan, Ma Dong-seok, Harish Patel, Bill Skarsgard, David Kaye

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