Resenha: Apostando em representatividade, Shang-Chi estreia bem no cinema
O 25º filme do Universo Marvel Cinematográfico, Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis, traz o primeiro herói de origem asiática protagonista de seu próprio longa-metragem, e pode fazer para pessoas com ascendência similar o que Pantera Negra representou para a população negra: oferecer uma sensação de pertencimento e empoderamento ímpar nos longas de super-heróis.
A representatividade ganha em autenticidade ao ter boas partes do filme faladas em chinês, um elenco e roteiristas quase 100% de origem asiática, e o diretor Destin Daniel Cretton, que, para uma estreia em filmes de ação, faz um trabalho verdadeiramente impressionante.
Com inspirações em longas como O Tigre e o Dragão, Ip Man, Kun- Fusão e até nas criativas coreografias de Jackie Chan, Cretton procura sair do básico e filma lutas com dinamismo visual, brincando com posicionamento e movimento de câmeras, colocando atores em contraluz, acompanhando seus golpes e extraindo o máximo dos diferentes estilos de luta, que ainda encaixam com as personalidades e históricos de cada personagem. Mais do que plasticamente belas, os variados combates são um excelente artifício visual narrativo.
Wuxia é um gênero originado na literatura fantástica chinesa, no qual os heróis especialistas em artes marciais as usam quase como mágica, desafiando a gravidade. A popularidade é tamanha que este estilo é encontrado em inúmeras obras da cultura pop da China, se espalhando para diversas partes do mundo.
Ele também é um dos elementos inseridos neste mais recente filme da Marvel, que trouxe coreógrafos chineses para a equipe. Este cuidado com representatividade genuína em um longa de grande alcance é um potencial promissor para o que pode acontecer no futuro da sétima arte.
Na trama, Shang-Chi (Simu Liu) deixa sua família para trás na adolescência e vai morar nos Estados Unidos, onde faz amizade com Katy (Awkwafina). Dez anos depois, seu passado reaparece e ele precisa encarar fantasmas abusivos de uma família liderada por um pai que foi levado a seu lado mais sombrio devido ao luto.
Sim, é um material bastante rico e, mesmo com um texto que não tem o melhor dos ritmos, funciona no plano emocional. Nota-se que o roteiro precisa de certo polimento ao tratar de alguns arcos narrativos que acabam tendo momentos importantes apressados demais.
Entretanto, o bom time de atores alivia falhas desse tipo. Awkwafina é um poço de carisma e apresenta formidável química com Liu, que tem presença o bastante para liderar o filme; Michelle Yeoh exala assertividade e carinho; Meng'er Zhang faz uma estreia que já a coloca no rol de promissoras estrelas de artes marciais; e Fala Chen entrega uma personagem cativante nos poucos minutos em que aparece.
Mas é com Tony Leung que o filme entrega um dos melhores vilões do MCU. Com um simples retcon que o coloca como o real líder dos Dez Anéis, organização criminosa apresentada em Homem de Ferro, primeiro filme deste universo, lançado em 2008, o ator entrega um homem que, em suas próprias palavras, “é um sociopata, narcisista e preconceituoso, mas também é humano e tem uma família.”
É notável sua sede por poder renascer da perda de sua esposa, mantendo uma aura de ameaça contida em alguém, aparentemente, inabalável. Como todo bom vilão, ele é complexo, tem uma motivação peculiar e um papel vital no arco do herói protagonista.
Um acerto da trama é embutir o tema de americanos nascidos de asiáticos imigrantes, contrastando as diferenças entre gerações e culturas que geram conflitos. Ao mostrar Katy sendo criticada por sua família por não ter o “emprego ideal”, o filme se ancora na realidade e a usa como potencializador do mesmo tema quando apresenta a história entre o que Shang-Chi e seu pai acreditam que deve ser feito. Assim, o arco do protagonista é realçado e ganha peso, principalmente quando ele tem que fazer as pazes – e aprender – com seu próprio passado.
Como é comum nestes filmes, o terceiro ato se resume a um festival de CGI e batalhas com grandes riscos, o que não é ruim, apenas está se tornando repetitivo e, assim, previsível demais. Além disso, os efeitos por computador podiam ter sido mais bem trabalhados. Se os anéis têm um belo visual e um bom trabalho de som, que fazem com que o espectador sinta cada impacto de seus golpes, a vila mística Ta Lo parece artificial demais, com cenários chapados que evidenciam sua criação por um time de efeitos especiais.
Com duas cenas pós-créditos que dão um gostinho de como os personagens podem se cruzar com outros do MCU, Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis faz um bom trabalho de apresentação de seu protagonista, traz um vilão com reais camadas e lutas de encher os olhos.
O grande público pode nunca ter ouvido falar desse herói, mas agora o nome Shang-Chi, definitivamente, está gravado no mainstream da cultura pop mundial.
Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis
Duração: 132 minutos
Estúdio: Marvel Studios
Direção: Destin Daniel Cretton
Roteiro: Dave Callaham, Destin Daniel Cretton, Andrew Lanham
Elenco: Simu Liu, Tony Leung, Awkwafina, Meng’er Zhang, Fala Chen, Michelle Yeoh, Wah Yuen, Florian Munteanu, Benedict Wong, Ben Kingsley, Tim Roth